quarta-feira, 13 de julho de 2016

Providence 08 de 12 - Extras

Voltamos com mais uma seção de extras e comentários cheia de SPOILERS!!! Assim, só leia o restante desta postagem depois de ler a #08 disponível logo acima.




Bom, a capa acima é a Weird Pulp e mostra o que parece ser o personagem indiano Swami Chandraputra que aparece em "Fora dos Éons" e em "Além dos Portões da Chave de Prata". As figuras no "relógio" atrás dele (e que também é mencionado com destaque em Além dos Portões da Chave de Prata) não correspondem exatamente a nenhum símbolo Aklo ou qualquer outro símbolo ocultista conhecido, embora guarde semelhanças com ambos.


CAPA DREAMSCAPE (ou wraparound)

Essa capa mostra o "Bonde Nº 1852", de um sonho que Lovecraft narrou em 1927 numa carta ara Donald Wandrei, e que depois foi utilizado por J. Chapman Miske em "A Coisa no Luar".
CAPA PANTHEON
Provavelmente um busto de Hypnos, o deus grego do sono, do conto homônimo de Lovecraft. Comparem isso com a imagem desse busto que está no museu britânico:



CAPA PORTRAIT

Essa é bem óbvia se você já leu esta edição... trata-se de Randall Carver, o análogo de Providence para Randolph Carter, personagem que aparece em diversos contos de HPL.


CAPA WOMEN OF HPL

Provavelmente é a "Sra. Forrester" da fazenda nos arredores de Manchester, New Hampsire, onde a "pedra" caiu do espaço, ecoando os eventos de "A Cor que Veio do Espaço". A casa atrás dela é a mesma retratada em Providence #05, conforme vocês podem conferir abaixo:



E agora... vamos aos comentários da edição.

Página 02


Wallace Tillinghast” e o "aeroplano secreto" foi um boato que realmente deu o que falar no início do século passado. Esse sujeito teria dito que criou a primeira máquina voadora mais pesada que o ar e que fez diversos voos com ela... mas sempre protegido pela escuridão noturna. De fato, ninguém realmente viu esse aeroplano em ação e o seu dono nunca se propôs a esclarecer o que era fato ou não. Caiu em descrédito. HPL certamente usou o nome dele como inspiração para criar Crawford Tillinghast, antagonista em "Do Além".

Henry Annesley é outro personagem de "Do Além" e, aqui em Providence, pode ter algum tipo de parentesco com Shadrach Annesley, visto na #03. Henry foi mencionado pela primeira vez na edição passada.

Worcester é uma cidade de Massachusetts.

A data presente é 20 de Outubro de 1919.

"(...) possa dizer que todos os meus contos são inspirados por sonhos (...)" — Muitos dos contos de HPL eram literalmente sonhos registrados ou começaram inspirados em um sonho.

"(...) você é um genuíno decadente de Massachusetts." — Decadentismo é uma corrente artística, filosófica e, principalmente, literária que teve sua origem na França nas duas últimas décadas do século XIX e se desenvolveu por quase toda Europa e alguns países da América. A denominação "decadentismo", que tinha, a princípio, um sentido depreciativo e irônico, dado pela crítica acadêmica, terminou por ser adotada pelos próprios participantes do movimento. Esse movimento Se provou seminal como influência estilística para HPL.


Página 03

O título desta edição, "A Chave", remete a dois contos que Randolph Carter protagoniza: "A Chave de Prata" e "Além dos Portões da Chave de Prata".
Vários aspectos da vestimenta e da decoração de Carver são deliberadamente orientais. O Orientalismo, em especial "As 1001 Noites", foi uma influência primária para HPL.

Olha o gato preto, minha gente!!! Tô dizendo que tem algo estranho com esses gatos aparecendo...

Tem uma imagem não identificável acima da lareira... talvez um anjo caído?


Página 04

Sobre o Sous le Monde e o Rei de Amarelo falamos em Providence 01. O livro de Hali aparece a primeira vez na #02 e é mencionado direto...

"publicação amadora" — HPL se envolveu bastante com jornalismo amador durante a Primeira Guerra Mundial, sendo que por algum tempo ele mesmo chegou a produzir um jornal amador chamado The Conservative (O Conservador).

"Além da Barreira do Sono" (ou "Além das Muralhas do Sono", como também chegou a ser lançado no Brasil) é um dos contos icônicos de HPL e é também a nossa recomendação para esta edição, embora já há algumas edições cada número de Providence tem uma miscelânea de referências de diversos contos. A Pine Cones foi um jornal amador de verdade, publicado em 1919, que lançou esse conto de HPL na sua edição 01, de Outubro.

Além da cabeça de Black aparece uma estatueta do deus hindu Ganesha.

Algol é o nome árabe para a estrela Beta Persei na constelação de Perseu. É conhecida também como a "Estrela do Demônio".


Página 05

O "pobre Eddie Poe" a quem Carver se refere é ninguém menos que Edgar Allan Poe, que já foi mencionado anteriormente.

"Órfão muito jovem (...)" — HPL nunca se alongou sobre o passado de Randolph; um método conveniente de dispor de relações familiares que poderiam interferir no curso de uma boa estória... Nas páginas seguintes Moore faz um esboço da vida de Randall Carver, reunindo a escassa biografia que HPL deixou sobre Randolph Carter.

"(...) a mais inatingível de minhas muitas terras oníricas." — Isso remete a "A Busca Onírica Pela Desconhecida Kadath", onde Carter procura por uma terra onírica em particular que, na verdade, é o seu amado lar na infância.

"Isso foi nos amarelos anos noventa (...)" — Refere-se especificamente ao período da literatura decadente, em especial a O Livro Amarelo, que é mencionado em "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde. Moore escreveu um ensaio sobre a história da Pornografia discutindo esse período, o que depois foi expandido e publicado sob o nome de 25.000 Anos de Liberdade Erótica, inédito em português até o presente momento.

1898 foi o ano em que o pai de HPL, Winfield Scott Lovecraft, enfim morreu. Também foi o ano em que HPL, então com 8 anos, começou a ir para a escola.

"Depois disso, minhas habilidades sumiram." — Remete à passagem de "A Chave de Prata": "Quando Randolph Carter fez trinta anos perdeu a chave para os portões dos sonhos." Obs: tradução minha para a passagem original.

"(...) recorrer ao então elegante ocultismo." — Um presságio do interlúdio de Randolph Carter com Harley Warren nas estórias de Lovecraft.


Página 06

Uma cena de "O Depoimento de Randolph Carter" no primeiro painel. Harley Warren é a "versão Providence" de Harvey Warner. As tais "páginas cifradas" são presumivelmente páginas escritas em Aklo para esconder seus segredos. Uma passagem do conto deixa isso mais claro:
  • "Como já tive ocasião de afirmar, eu conhecia bem, e de certa forma dividia, os estudos fantásticos de Harley Warren. De sua vasta coleção de livros estranhos e raros sobre temas interditos, li todos os escritos nas línguas que domino, contudo esses são poucos em comparação aos escritos em idiomas que desconheço. Na maioria, acredito, são em árabe; e o compêndio de demoníaca inspiração que acarretou a tragédia – o livro que levava no bolso ao abandonar o mundo – estava escrito em caracteres que jamais vi em parte alguma. Warren jamais se dispôs a me dizer o que havia naquele livro."

Os tais "horrores indescritíveis" e os "documentos de família" são referências diretas a um outro conto de HPL que apresenta a dupla Carter/Warren, "O Inominável".

"(...) cômodos em diferentes cores para se adequarem a meus humores..." — Refere-se a uma descrição de "A Chave de Prata".


Página 07

O Palácio do Príncipe Próspero é uma referência ao conto de E.A. Poe, "A Máscara da Morte Rubra".

"(...) embora às vezes aparentasse um lugar terreno que precedeu nossas mais antigas civilizações." — Remete à antiga terra de Mnar em "A Maldição de Sarnath".

Essa cena com imagens que remetem à Roma Antiga explicam-se por HPL sonhar com frequência consigo mesmo como um romano.

"(...) setecentos passos para um sono mais profundo (...)" — Em "A Busca Onírica Pela Desconhecida Kadath", Randolph Carter desceu setecentos degraus para o Portal do Sono Profundo e saiu do bosque encantado.

O General Albert Pike foi o Brigadeiro General Albert Pike. No último painel o veremos pela primeira vez junto a Whipple Van Buren Phillips, avô materno de HPL e certamente a quem se referem quando mencionam "um líder da Stella Sapiente e proeminente maçom". Van Buren fundou a 28ª Loja Maçônica em 1870 na cidade de Greene, Rhode Island.

 


Página 08

Idle Days of the Yann” é uma das histórias mais influentes de Lorde Dunsany. Infelizmente quase nada dele foi publicado no Brasil. Uma pena. De fato, Dunsany esteve mesmo em Boston em 1919 e HPL realmente foi lá para prestigiar o evento.

"(...) instou a alistar-me na Legião Estrangeira Francesa." — Em "A Chave de Prata" menciona que Randolph Carter serviu na Legião Estrangeira. Contudo, Carter serviu na França, ao passo que Randall Carver aparece em um clima desértico, sugerindo uma variação em relação ao conto de HPL.

"Eu... hã... fui dispensado por, hã... razões médicas." — A desculpa de Black sugere que na verdade ele não se alistou possivelmente por ser homossexual. O próprio HPL tentou se alistar, e foi aceito por um breve período, mas sua mãe e o médico da família conseguiram anular o alistamento.


Página 09

Reparem nos degraus, que são numerados. Obviamente, são os "setecentos passos". Fato notável é que o gato está na dianteira... na mitologia de HPL gatos existem tanto nas terras dos sonhos quanto no mundo desperto.

O cenário ao fundo lembra os livros com fantásticas imagens de cortes transversais de Stephen Biesty como este, ou o Underground (Subterrâneo) de David Macaulay com canos enterrados, estratos rochosos, túneis e ossos.


Página 10

Vemos o Rei George de Providence #07, o que reforça a ideia de que carniçais interagem entre o mundo desperto e o onírico. Isso é corroborado em "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath".

"Carver, seu maldito covarde! (...)" — Isso sugere que Carver os abandonou, possivelmente fazendo uma ligação com "A Cidade Sem Nome" onde os fantasmas dos companheiros mortos assombram os sonhos de Randolph Carter.

Percebam o fóssil de dinossauro e o trilobita na parte inferior do painel; à medida em que descem estão quase que literalmente voltando no tempo geológico. Isso se relaciona com os pensamentos de Carver sobre as Terras Oníricas estarem em um passado impossivelmente distante e sugere mais correlações possíveis: seriam essas Terras Oníricas "subterrâneas" as mesmas das míticas civilizações "no centro da Terra"?

O Vendome é o hotel que mencionamos na edição anterior.


Página 11

Os tais "valores mútuos" apesar de não ficar muito claro, neste contexto, representam um desejo de dominação: ora, se a Stella Sapiente são sonhadores lúcidos e estão trazendo as Terras Oníricas para o "mundo real", eles teoricamente seriam capazes de controlar a realidade com suas técnicas de sonhos lúcidos.

Os Cavaleiros do Círculo Dourado eram uma sociedade secreta a favor da escravidão nos EUA e que apoiava a conquista de territórios na América Latina para a posterior formação de uma confederação de Estados escravagistas. E vocês aí achando que a KKK era o fundo do poço, hein?

Os sujeitos atrás de Pike estão vestidos com os roupões da Ku Klux Klan (segunda encarnação). A primeira encarnação da Klan foi formada depois do fim da Guerra Civil, e agiu como um grupo vigilante contra aventureiros políticos e antigos escravos no sul dos EUA. A segunda encarnação, formada em 1915 era essencialmente uma sociedade fraternal como a Maçonaria ou o Elk's Lodge, mas com foco no racismo e no nativismo.


Página 12

"O quanto desses vagões enferrujados são pertinentes a desejos carnais por nossas mães é incerto, embora o professor Freud pudesse pensar de forma diversa." — Isso refere-se às teorias de complexo edipiano do Dr. Sigmund Freud. HPL não era muito fã das teorias psicossexuais de Freud mas é sabido que Carver é versado nas teorias freudianas de interpretação dos sonhos.

Tanto a lua cheia quanto a torre remontam a uma passagem de "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath" que estou com preguiça de procurar.


Página 13


"(...) pelas esquinas da nossa Nova Inglaterra." — Possivelmente uma referência à tradição da origem do nome da região ser esse. HPL faz referência a isso em "O Horror em Dunwich".

"(...) tais lugares tendem a dominar minha paisagem interior (...)" — Referência a diversos contos em que Randolph Carter aparece.

As coisas que Pitman pinta, como vocês lembram, são saprófagos, ou carniçais.

O Redentor da Stella Sapiente se refere à profecia que vimos em algumas ocasiões em Providence. A primeira vez que foi mencionada foi ainda nos panfletos de Suydam na #02 e depois a vimos com detalhes maiores quando Black folheou o Livro de Hali na Faculdade São Anselmo. Aparentemente o redentor é mesmo H.P. Lovecraft!

"(...) ele é aparentemente inútil a menos que contactado por um igualmente improvável 'mensageiro'." — Isso parece sugerir porque Black foi tão "bem tratado" pela maioria das entidades lovecraftianas que encontrou no caminho: aqueles que estão cientes da profecia do Redentor e a querem realizada desejam ver Black completar sua jornada. O mensageiro, ou arauto (Herald, em inglês), aparenta ser Black, como deduzimos há algumas edições.

"(...) a usam para acessar os pontos baixos do nosso reino... (...)" — Eis aqui o simbólico dando lugar ao prático: uma vez que você desce para entrar nas profundezas do sonho, você tem que subir para entrar em áreas de um sono mais leve. Esse é um processo que de certa forma fica explícito em "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath".

"(...) aquelas cintilações ocasionais podem muito bem ser estalactites no lugar de estrelas... " — outra vez  a sugestão de um cenário do tipo "Terra Ôca", que é bem influente em certos círculos ocultistas.


Página 14

"(...) realidade pode estar em um estado diferente de onde ela está inobservada (...)" — Uma referência às ideias de Erwin Schrödinger a respeito de experimentos com superposição quântica, que não estaria desenvolvida até 1935, e que foi utilizada na infame "anedota" do Gato de Schrödinger. A repentina presença de gatos na cena deixa um clima de trocadilho.

"(...) essa elegante turma me conhece há tempos e me chama de amigo (...) — Uma referência à aliança de Randolph Carter com os Gatos de Ulthar, do conto homônimo, em "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath".


Páginas 15 e 16

Bem, as duas páginas foram feitas para serem apreciadas juntas e ao mesmo tempo. Isso se deve ao uso de um políptico de duas páginas (!). Bom, antes de mais nada vamos explicar (pra quem não sabe o que é) que um políptico, recurso usado exaustivamente por Moore & Burrows em Providence, é uma cena de fundo bem ampla e contínua e que o artista divide em quadros para dar a ideia de movimento contínuo no mesmo cenário. No caso em questão temos uma visão panorâmica de um bom pedaço das Terras Oníricas em um políptico de cinco painéis, mais um último painel que associado com os demais forma uma homenagem ao "Little Nemo in Slumberland" de Winsor McCay como a seguir detalharemos por suas similaridades e curiosidades.
A) Little Nemo começou a ser publicado em 1905 justamente no New York Herald, jornal onde Black trabalhava.
B) Nemo explora os mundos dos sonhos, assim como Carver/Carter.
C) McCay com frequência empregava painéis verticais alongados e polípticos sendo talvez o primeiro a empregar essa técnica nos quadrinhos. Confiram um exemplo:

D) Cada tirinha de jornal acabava com um painel onde Nemo acordava no mundo real, assim como no último painel deste políptico. Esse despertar era em regra o anticlímax de algum tipo de tensão na última parte da tirinha de Nemo como, frequentemente, cair de uma enorme altura.
E) Em Big Nemo, disponível na Electricomics, Moore e Colleen Doran prestaram uma homenagem similar. Isso também Já tinha acontecido em Promethea.

Os seres que estão carregando Carver e Black aparentam ser gárgulas que aparecem em "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath" e em capas variantes de Providence 06 e 09 (sim, eu sei que ainda não lançamos a 09, então relaxem que em algum momento deste ano ela sai!)

A construção para onde convergem as linhas de trem se assemelha a uma igreja, embora eu tenha certeza de que já vi uma estação ferroviária bem parecida com essa edificação... quando eu lembrar volto aqui e atualizo!

Tanto a "queda para o céu" quanto as tais "entidades exteriores" são elementos de "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath".


Página 17

A leitura de Lorde Dunsany aconteceu dia 20 de Outubro de 1919, no salão de eventos Copley-Plaza do Hotel Fairmont, na Praça Copley.

"(...) cavando atrás de nós...?" — Talvez inconscientemente Hector North estivesse percebendo os avanços "subterrâneos" de Black.


Página 18
A greve policial e os conflitos foram vistos na edição passada.

Bolchevismo aqui é utilizado como um sinônimo para uniões de trabalhadores e coletivismo. Como Carver, Lovecraft não era chegado no comunismo.

"(...) nem de longe tão esplendidamente antigo (...)" — O Fairmont abriu as portas em 1912.


Página 19

Aqui já adianto a referência da citação da quarta capa desta edição, que foi extraída de uma carta para Reinhardt Kleiner, presente em Selected Letters of H. P. Lovecraft 1.91-92. Assim apresento, com tradução/adaptação minha, um trecho maior do que aparece nesta edição para que os leitores tenham a oportunidade de saber a impressão de HPL sobre o convidado de honra do evento, Lorde Dunsany:
"Chegando cedo ao Copley-Plaza, obtivemos os primeiros assentos; de forma que durante a palestra eu me sentei de frente para o palestrante, a nem três metros dele. Dunsany entrou atrasado, acompanhado e apresentado pelo Prof. George Baker, de Harvard. Ele é de compleição Galpiniana; 1.89m de altura e bastante delgado. Seu rosto é sério e agradável, embora arruinado por um ralo bigode. Ele é um pouquinho estranho e juvenil em seus modos; e seu sorriso é triunfante e contagiante. Seu cabelo é castanho claro. Sua voz é melíflua e treinada, e claramente Britânica. Ele pronuncia 'were' como 'weir' e por aí vai. Dunsany primeiro falou de seus ideais e métodos, então puxou uma cadeira para junto de sua mesa de leitura, sentou-se e começou a ler sua peça 'Os Inimigos da Rainha'. Isso é muito obviamente baseado em uma anedota sobre Nitócris no segundo livro de Heródoto, mas Dunsany asseverou que tinha propositalmente evitado ler detalhes ou mesmo mencionar os nomes das personagens da estória, por temer que sua imaginativa obra original na peça pudesse ser comprometida ou prejudicada. Eu te aconselho a lê-la por si mesmo — está em Peças de Deuses e Homens, que toda livraria bem abastecida tem ou deveria ter em suas prateleiras. Depois Dunsany leu seleções de outras obras dele, incluindo uma magistralmente burlesca em seu próprio estilo — Porque o Leiteiro Treme Quando Vê a Aurora. Enquanto lia isso, ele não conseguia represar seus próprios sorrisos mal abafados. A audiência foi grande, seleta e receptiva; e depois da leitura Dunsany foi cercado por caçadores de autógrafos.
Bom, deu pra ter uma boa noção da impressão que HPL teve da noite, né?

No centro, à direita da cabeça de Black, temos a primeira aparição do próprio Howard Phillips Lovecraft! Na época com 29 anos de idade.


Página 20

"Gemas subterrâneas" seria uma sutil referência às Terras Oníricas?



Dunsany era Anglo-Irlandês. Daí todos repararem em seu sotaque carregado.

Embora mais conhecido atualmente por seus contos, e infelizmente muito pouco no Brasil por conta da escassa bibliografia publicada por aqui, Dunsany foi um prolífico e bem sucedido escritor de peças para o teatro. Um exemplo seria "Peças de Deuses e Homens", de 1917, que tem em si várias peças curtas.

A Broadway a que se refere é o velho e conhecido distrito de Nova Iorque, que é notório por sua infinidade de teatros.

Essa história narrada por Dunsany fala da rainha Nitócris... o próprio HPL a menciona duas vezes: em "O Forasteiro" e "Aprisionado com os Faraós".


Página 23

O "jovem Lee" é Ed Lee, primo de Alice Hamlet.

Uma coisa bem precisa: Alice Hamlet não estava saindo com HPL, conforme se pode aduzir da leitura deste artigo. De fato, ambos estavam envolvidos com o jornalismo amador; daí a explicação para HPL dizer que não se surpreenderia se todos os amadores achassem que eles estavam "namorando".


Página 24

"(...) Senhor, sou um velho desajeitado e grosseiro." — HPL, com a madura idade de 29 anos, costumava referir-se a si mesmo como "Vovô" e se apresentar em suas cartas como se fosse um homem velho.

No segundo painel vemos a mãe de Johnny Carcosa do lado de fora da Igreja de Red Hook, conforme vocês devem se lembrar de Providence 02.

"Plunkett", pra quem não lembra, é o sobrenome de Lord Dunsany.

No quarto painel, Willard Wheatley, de Providence 04, arrastando o que parece ser uma vaca para o galpão onde seu irmão invisível é mantido.


Página 25

"(...) as estrelas desmotivadas acima certamente teriam engendrado suas convergências..." — uma abordagem ligeiramente sarcástica sobre o materialismo de HPL e "Quando as Estrelas Estão Certas".

No segundo quadro, Elspeth Wade. Ou seria Edgar Wade? Ou seria Etienne Roulet?

O endereço de HPL era mesmo esse, rua Angell, número 598, em Providence, R.I.

Hekeziah Massey e Sr. Jenkins, de Providence 06


Página 26

"(...) Eu posso mandar uma carta..." — Alice Hamlet de fato escreveu uma carta para Lord Dunsany que, gentilmente, mandou um autógrafo pelo correio, conforme registrado na carta de HPL.

"(...) minhas perambulações noturnas pelo Cemitério Santo Agostinho." — Esse cemitério fica no sul de Boston. O próprio HPL também era chegado em uns passeios assim.


Página 27

Todo o texto dessa página está em uma fonte diferente, simulando uma máquina de escrever, e cita o fim do parágrafo de abertura de "Além da Barreira do Sono".


Página 28

"Lily" é Jonathan Russell, que vimos em Providence 01


Página 29

"Plínio" pode se referir a dois autores da Roma Antiga, o "Velho" e o "Moço".

Aristófanes foi um autor da Grécia Antiga.

Lovecraft, assim como Carver, era um Classicista.

"(...) alguma mulher inglesa do fim do século XIX, possivelmente uma do grupo de Bloomsbury (...)" — Essa referência não é exatamente clara mas nos dá alguns bons palpites. Foi um grupo de artistas e intelectuais britânicos que existiu entre 1905 e o fim da II Guerra Mundial. Havia homens e mulheres em boa proporção nesse grupo, tais como John Maynard Keynes e Virginia Woolf. Há umas nove ou dez mulheres possíveis nessa lista.

A descrição "tudo verde e ídolos" aparece no romance de Robert Smythe Hitchens, Felix, de 1902.


Página 30

"Romance gótico" se refere à Literatura Gótica, gênero de ficção popular no século XIX.

"(O Castelo de) Otranto é um romance de 1724 escrito por Horace Walpole.

"Melmoth, o Errante" é um romance de 1820 escrito por Charles Maturin.

M.R. James
foi um estudioso da era medieval e escritor inglês.

Algernon Blackwood
foi um escritor inglês famoso por suas histórias de fantasmas.

"(...) um conhecido em Vermont." — Pode ser uma referência ao amigo de HPL, Vrest Orton, a quem realmente ele visitava, mas é mais provável que seja uma referência a "Um Sussurro nas Trevas".


Página 32

Milwaukee, no estado do Wisconsin, é a cidade natal de Robert Black, conforme vimos em Providence 01. HPL conecta a paisagem fictícia com o conforto de sua cidade natal na conclusão de "A Busca Onírica pela Desconhecida Kadath".

Lilililat pode ser uma reminiscência de Lilith e os lilin, demônios no folclore do Oriente Médio. De certa forma, são o que se chamaria de Súcubos.

A Ponte do Brooklyn aparece em destaque na primeira edição de Providence.


Página 33

Tanto os escritórios do The New York Herald, jornal onde Robert Black trabalhou, quanto Freddy Dix, ex-companheiro de profissão, aparecem em Providence 01.

Exemplos das tais pontes "planas e funcionais" em Athol e Salem podem ser vistas em Providence 04 e 03 respectivamente.

"(...) um jovem, muito bem vestido, com um brilhante lenço amarelo erguido absurdamente para esconder sua boca (...)" — descreve muito bem Johnny Carcosa, que vimos em Neonomicon e em O Pátio. Black viu Carcosa em um sonho antes, na #03.

A ponte sobre o Merrimack em Manchester foi vista em Providence 05.

"(...) estavam jogando confetes nas águas do rio, e eu percebi com um sobressalto que era Lily." — isso ecoa a cena de abertura da série, onde Jonathan Russell rasga e joga fora a carta de Black.

O Sr. Orne, que vimos em Providence 03, é o análogo do Terrível Velho do conto homônimo.

O Sr. Shadrach Annesley, visto em Providence 03, é a contraparte do canibal de "A Estampa da Casa Maldita".

"(...) uma pequena criança negra vestida em um terno e tragando concupiscentemente um cigarro gigante." — Isso pode ser Flip, uma personagem recorrente de Little Nemo in Slumberland.

O Professor Sigmund Freud ficou conhecido como o "pai da psicanálise". Freud foi fumante e supostamente disse a respeito de símbolos fálicos que "às vezes um cigarro é só um cigarro."


Página 34

Sobre Claude Guillot e seu livro, Ambrose Bierce, Gautier, Huysmans... vejam a seção de extras de Providence 01.

Paul Delvaux foi um pintor surrealista Belga.

A tal mulher grávida, nos últimos períodos de gestação, que Black vê na ponte é Merril Brears, a protagonista de Neonomicon. Para quem não lembra, a Srta. Brears engravida na conclusão daquela minissérie: "Acho que uma vez eu fiquei no mesmo hotel que você ficou, com a mesma vista da janela". Tanto Brears quanto Black ficaram no mesmo hotel em Salem, com a mesma vista. Nós observamos isso em Providence 03. Abaixo, uma comparação dos dois momentos:



Página 35

"(...) uma pequena ponte ornamental por sobre um córrego estreito." — pode ser a ponte no Parque Bryant que vimos em Providence 01. Isso reforça que o confete que Black vê Lily jogar é na verdade a carta que ele mandou.

A palavra "Liminar", que Black usou com precisão, embora seja mais conhecida por seu uso jurírico, é também um adjetivo que passa a ideia de algo ocupando uma posição intermediária entre dois opostos, como entre uma fronteira.


Página 36

Os escritos do dia 20 de outubro foram feitos, por óbvio, depois dos eventos desta edição.

Página 37

"O Irregular" — não se tem conhecimento de nenhum "periódico" (hahahaha) que tenha existido com esse nome, embora muitas publicações amadoras da época fossem realmente publicadas irregularmente.

"(...) ou talvez mais precisamente duas ou três associações (...)" — Nesse momento havia três associações de escopo nacional: a National Amateur Press Association, e duas outras distintas mas que se chamavam igualmente de United Amateur Press Association (no caso, uma delas é uma facção da primeira, que se separou depois de uma eleição conturbada...). HPL começou na United mas depois passou para a NAPA.

"Uma Coisa de Beleza e uma Alegria Eterna" é uma reminiscência de algumas das primeiras histórias de HPL, ainda fortemente influenciado pelos mitos Gregos, tais como "A Árvore".


Página 38

John Clinton Pryor foi o editor na vida real da Pine Cones.


Página 39

O gato de Carver, "Black Sambo" (que seria algo como Negrito, mas com um tom bem pejorativo), foi nomeado em homenagem ao gato que HPL teve na infância, chamado "Nigger-Man" (outra expressão controversa, algo como Negão), que foi imortalizado no conto "Os Ratos nas Paredes".

"(...) uma forte impressão de uma saudade quase insuportavelmente nostálgica por um tempo passado (...)" — Uma característica de HPL, cujos dias mais felizes no lar de sua família foram abreviados pelas mortes de seu pai e de seu avô, o que deixou a situação pecuniária da família bem ruim, fazendo com que eles tivessem que se mudar.

As "outras tendências de Wilde" se refere ao fato de ele ser homossexual, o que afetou gravemente a sua reputação e resultou em uma sentença de prisão.


Página 40

Sobre “Tom Malone” vejam Providence #2.

Página 41

Fica meio óbvio que a próxima parada de Robert Black será em Providence, Rhode Island, não é? Bom, vai aí um pequeno spoiler da próxima edição: que não é HPL a primeira pessoa que Black vai procurar ao chegar por lá...

Contracapa

A citação é um trecho da carta que traduzi acima, para a referência da página 19.

4 comentários:

LordDrâckul disse...

Vale incluir uma outra observação, já levantada na Providence #5, sobre o formato das bordas dos quadros. Os acontecimentos comuns possuem bordas imprecisas e ligeiramente irregulares, enquanto que "momentos sobrenaturais" tem as suas bordas absolutamente lineares, como se ocorressem em outra dimensão/tempo. Sutil, essa convenção apresenta nossa percepção humana "limitada" como imperfeita perante uma realidade mais ampla, irrestrita, atemporal e não-euclidiana.

Outra dúvida, mas que acredito que somente será esclarecida nos próximos números, é o diálogo entre Black e Carver. Todos momentos narrados são representados em enquadramentos perfeitamente regulares, dando a entender que ocorreram,por mais improvável que aparente.

Skætos disse...

Respondendo e dissertando ao mesmo tempo, Fernando:

Essa "convenção" das bordas dos painéis já tinha sido mesmo mencionada por mim em outra ocasião... acho que foi na 05 mesmo. Sua observação é bem pertinente e, quanto ao momento com Carver no mundo onírico, trata-se de uma realidade "mais real" que a nossa, denotando uma percepção ampliada da realidade. Vemos isso com bastante frequência em Providence. Um exemplo diferenciado está na #04, quando vemos os primeiros painéis "pelos olhos" do irmão invisível de Willard Wheatley, porque ele tem mesmo uma percepção alienígena da realidade.

Observe também as bordas realçadas por uma "moldura" amarela. Esse recurso foi usado em Neonomicon quando vimos R'Lyeh e Leng. Nesta série vimos isso, salvo engano, quando Black esteve no "porão do porão" do Sr. Suydam em Providence 02, num quadro em Providence 05 (página 19), e em Providence 07, quando Black e Pitman desceram para o porão. Francamente, ainda não cheguei a uma conclusão sobre o significado dessa moldura analisando esses momentos, mas certamente são momentos de mudança... dimensional, sensorial ou ambos.

Em todo caso, obrigado pela contribuição! Abraço!

Miranda Zero disse...

VOCÊ É O CARA! OBRIGADO POR MAIS UM PROVIDENCE!

Marcio Roberto disse...

Esta foi sem dúvida, a melhor edição até agora. Nem acreditei quando vi o próprio Lovecraft lá! Pelo visto se não na próxima edição, logo teremos o encontro entre o arauto e o Redentor, ao que parece. As partes nas quais vimos os personagens de outras edições principalmente a imagem de Elspeth na janela, é como se sugerisse que algo grande, muito grande, está prestes a acontecer. Como a noite que se antecipa à luz da aurora, embora neste caso, seria o do dia prestes a se tornar noite... Já tenho a nona aqui, mas claro que quando você traduzir eu vou vir voando pra ler! Ah, a parte em que ele menciona os pássaros carnívoros com cabeças de mulher já faz lembrar as sereias que Odisseu (conhecido mais por Ulisses) se defronta lá na Odisseia do Homero.

Já soube que vamos ter mais referências ao meteorito maldito, não é? Quero só ver. Ah, porque que é que quando o Black lembrava do "Lily" ele aparecia como uma mulher? Seria isso porque na verdade é a mente dele disfarçando a verdade? Pelo menos foi isso que eu pensei.