quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Providence 03 - Extras

Em primeiro lugar, faz-se necessário uma explicação: a seção de extras de Providence não vai mais vir encartada na HQ a partir desta edição (03) por uma série de motivos, sendo os principais
  • Facilidade para usar links de referência para outros sites.
  • Praticidade para usar imagens e eventualmente recursos de áudio e vídeo.
  • Diminuir o tamanho do arquivo da HQ.
  • Ganho de tempo.
  • Possibilidade de editar o texto a qualquer momento.
Continuamos usando como norte o site  https://factsprovidence.wordpress.com/ para nossa seção de referências, além de observações pontuais de minha autoria.

Outra coisa: não leiam este post antes de terem lido e relido a HQ, uma vez que a seção de referências é spoiler total. Além do mais não faz sentido vocês lerem as referências sem saber a que elas estão se referindo. Vale destacar que algumas das referências linkadas só estarão disponíveis em inglês. Quando este for o caso, estará devidamente indicado que a referência encontra-se em inglês. Na falta de indicação, estará em português. Lamento, mas não posso traduzir todo o conhecimento do mundo!

Assim, cliquem abaixo em <Expandir postagem> logo abaixo e divirtam-se. A propósito: sintam-se à vontade para tirarem dúvidas ou acrescentarem algum detalhe nos comentários da postagem.

Atenciosamente,
Skætos


Inicialmente recomendamos que vocês leiam os "contos base" desta edição: A Sombra Sobre Innsmouth (The Shadow Over Innsmouth) e Medo à Espreita (The Lurking Fear). Ambos podem ser encontrados neste pdf, que traz além destes, outros contos igualmente bacanas do mestre HPL.


Página 01 — Capa Regular

Na capa regular que vem com esta edição (a Avatar produz outras capas variantes para cada edição) a imagem retratada é de Salem, Massachusetts. Salem foi a cidade na qual HPL se baseou para criar a sua "Innsmouth" de A Sombra Sobre Innsmouth. Inclusive a ilustração é bem fiel à descrição que HPL fez de Innsmouth, com seus telhados curvos e campanários antigos.


Página 03

Algo que eu deveria ter feito desde a primeira edição é explicar o que é "Nova Inglaterra": https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Inglaterra

A data aqui é por volta de 30 de Junho de 1919, a data em que o Ato de Proibição de Período de Guerra (Wartime Prohibition Act — em inglês) entrou em vigor.

Vê-se que a maioria dos homens usa chapéus de palha. Era muito comum na época e o próprio Lovecraft era um adepto dele como se pode ver abaixo:

Black está perambulando pela Greve pela Igualdade dos Atores de 1919 (em inglês). A título de curiosidade, trago a reprodução em pdf de um jornal da época que menciona esse fato: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/OSeculoComico/1919/N1131_2/N1131_2_master/OSeculoComico_N1131_18Ago1919.pdf
A representação de Jacen Burrows é bem fiel às imagens feitas à época:

Nancy Cunard foi uma escritora, ativista política e, porque não dizer, socialite da época, conhecida por seu estilo "doidivanas" e exuberante (em inglês).

Bill Fields, mais conhecido como W.C. Fields, foi um famoso comediante.

Vaudeville foi um gênero de entretenimento teatral popular. W.C. Fields trabalhou como comediante nesse estilo antes de passar para o cinema.

"(...)do que houve na pobre e velha Rússia." — isso se refere à Revolução Russa de 1917.


Página 04

O título da história, "Um Medo à Espreita", faz referência ao conto "The Lurking Fear", de 1922 (publicado em 1923). Embora a edição da Editora Iluminuras para este conto o tenha traduzido como "O Terror Emboscado" no índice, no início do conto está presente a tradução que (assim acredito) é mais fiel ao sentido da obra e que é utilizada aqui. Este é um dos "contos base" desta edição, sendo o outro "A Sombra Sobre Innsmouth", ambos de HPL.


Página 05

Observe o sinal no rosto do funcionário da estação. Ele reaparecerá adiante.


Página 06

"ela não tem a profundidade...": no original "she gets out of her depth", é o primeiro de uma série de trocadilhos e referências a termos marítimos e náuticos... indicando o que o leitor já deve ter deduzido da leitura de "A Sombra Sobre Innsmouth" (doravante abreviado apenas como Innsmouth).

A observação anterior se reforça ao olhar com clareza para Zeke Hillman pela primeira vez: vemos um rosto com traços não exatamente humanoides, o que reforça a ligação com o conto Innsmouth. No conto, a população da cidade descende de uma longa linhagem de híbridos de humanos com "Abissais".


Página 07

"(...) mas você não vai encontrar estalagem melhor neste lado da cidade.": No original "berth" quer dizer tanto um estuário tranquilo onde embarcações podem atracar quanto um local de repouso dentro de uma embarcação. Informalmente, pode ser usado para descrever uma hospedaria destinada a marujos.

Como dito antes, a refinaria Boggs em Providence é o equivalente da refinaria Marsh de Innsmouth. Assim como Jack Boggs é o equivalente de Obed Marsh e, por extensão, Tobit Boggs seria o análogo de Barnabas Marsh. Cumpre dizer que em inglês "Bog" e "Marsh" podem significar a mesma coisa: atoleiro, charco, pântano...

A Loja Maçônica, em Innsmouth, é onde se situava a "Ordem Esotérica de Dagon". Tenha isso em mente...

São "Joad" seria São Judas como vemos claramente na página seguinte. Presumivelmente, essa pronúncia é uma mistura do sotaque local com a pronúncia do nome original em hebraico: Yehudhah.


Página 08

Observe que Hotel "Hillman" tem uma sonoridade similar à Casa "Gilman" (pronuncia-se "guílman") de Innsmouth.

"Amigos de Oannes" parece ser o equivalente de Providence para a "Ordem Esotérica de Dagon". Oannes foi uma divindade do panteão mesopotâmico considerada muito similar ao Dagon Sumério. Talvez não por coincidência haja uma "Sociedade Oannes" no universo de Hellboy, de Mike Mignola. https://pt.wikipedia.org/wiki/Adapa

"A Igreja de São Judas": São Judas Tadeu foi um dos apóstolos de Jesus e é considerado o "patrono das causas perdidas". Não se deve confundi-lo com o outro Judas, o Iscariotes, que também foi apóstolo mas que todos sabem o que fez... embora aqui em Providence a confusão possa ser proposital.


Página 09

"resgates difíceis": no original "rare salvages" tem o sentido de resgates de embarcações ou cargas de embarcações que estejam indo a pique ou naufragadas. Obvio, mais referências náuticas.

"Jarras-vitais": provavelmente uma referência às jarras de vidro do conto "O Terrível Ancião", de HPL.

"Livro da África" (no original, "Book o' Afrikee") se refere ao Regnum Congo. Esse livro de fato existe e foi escrito por Filippo Pigafetta em 1591. Trata de rituais mágicos e canibalismo supostamente observados na região do Congo. Lovecraft referenciou a esse livro em "A Estampa na Casa Maldita" (The Picture in the House) embora tenha admitido em suas correspondências que nunca viu o livro verdadeiro mas sim o "Evidence to Man's Place in Nature" (algo como "Evidências do Lugar do Homem na Natureza"), de Thomas Huxley, que menciona longamente a obra de Pigafetta.

"Dobrões" eram moedas de ouro cuja unidade era avaliada em cerca de quatro dólares na época das antigas colônias Americanas. Essa unidade monetária ficou famosa em inúmeros filmes de piratas.

Página 10

Nesta página temos Increase Orne, Tobit Boggs e Shadrach Annesley. Sim, o nome desse sujeito é Increase (que quer dizer "aumentar") mesmo... ao que parece, esse tipo de nome era comum entre Puritanos na Idade Média.

O tal Pastor Sleet seria um análogo do Pastor Guilliam Slott do conto "Two Black Bottles" (Duas Garrafas Negras). Basicamente trata de um pastor que aprisiona almas em garrafas... o conto em si não é bom, mas a história por trás dele é bem mais interessante. É de autoria de um tal Wilfred Blanch Talman que, ainda  iniciando na atividade, pediu que Lovecraft desenvolvesse e revisasse seu conto. HPL fez isso, mas mudou muito o conto original, o que deixou Talman irritado e ele foi publicado como sendo apenas de Talman. Rolou um "barraco" na época, um acusando o outro em publicações... O resultado é um dos piores contos atribuídos a HPL.

Nesta página e na seguinte vemos que Increase e Shadrach estão com umas "garrafinhas" e que tem uns balões de fala saindo delas. O primeiro é legível e diz "eu estou louco. estou louco para sempre e deus é uma merda de nada, nada..." (caso você não tenha conseguido ler no scan). Os outros são absolutamente ilegíveis a olho nu, mas um colaborador do factsprovidence, David Car Mar, conseguiu fotografar esses balões com um microscópio (!) e viu que de fato tinha alguma coisa lá... só que até o presente momento não fazemos ideia do que seja. É algum tipo de escrita cuneiforme ou em hieróglifos, então espera-se que alguém possa ao menos identificar a origem desses símbolos:

A ilustração no livro segurado por Shadrach é de fato do Regnum Congo. Foi feita pelos irmãos De Bly para a edição inglesa mas como eles nunca tinham visto um africano (lembre-se que era 1591 na Inglaterra...), desenharam todos com traços caucasianos... Vejam essa mesma página extraída do livro original:

Página 11

Há alguns "Orne" na obra de Lovecraft: Benjamin Orne (A Sombra Sobre Innsmouth), Capitão James Orne (O Horror na Praia de São Martin) e Simon e Jebediah Orne (O Caso de Charles Dexter Ward).

Como dito em edição anterior, HPL usou Marblehead como base para a fictícia cidade de Kingsport.

Shadrach é um nome bíblico que tem como correspondente em português o nome Sadraque, que é a variação do idioma caldeu para o nome hebraico Ananias. O sobrenome Annesley ocorre na obra de mitologia de HPL em Do Além (Henry Annesley).

A conotação do "cheirar como um judeu" é dúbia: pode ser um chiste xenófobo mas pode ter o sombrio significado do tom adotado em "A Estampa na Casa Maldita" (The Picture in the House, no original).

"(...) um guisado bem temperado." No original, Shadrach usa a expressão Salmagundi, um prato do século XVII que era um meio termo entre guisado e salada. Reforça o tom sombrio do comentário sobre o "cheiro de judeu". Isso fica mais claro quando vemos o relato do Sr. Annesley no informativo da Paróquia.

O elmo dourado estranho lembra os tesouros trazidos pelos abissais em "Innsmouth".

Página 12

Garland Wheatley seria o equivalente de Moore para o "Velho Bruxo Whateley" de Horror em Dunwich.

Athol, Massachusetts, é a cidade que inspirou a Dunwich de HPL.

A Ordem à qual se refere black é a Stella Sapiente.

Aqui Moore une elementos díspares da mitologia de HPL, estabelecendo conexões entre o Stella Sapiente/Necronomicon, e os Wheatleys/Whateleys, e os Boggs/Marshes.

"(...)des' que eles arrastaro a pedra em '82." Uma referência óbvia ao conto "A Cor que Veio do Espaço".

"(...) quarenta anos antes disso." Isso seria por volta de 1842. A epidemia em Innsmouth ocorreu em 1946, então seria o momento apropriado para a volta de Jack Boggs das Índias.

"Vovó Pathithia-Lee — "Pth'thya-l'yi" de "Innsmouth".

"Harrison e os outros" — possivelmente uma referência para as outras famílias "mestiças" de "Innsmouth". Seria Moore forjando conexões posteriores com os capitães do mar com quem Corwen lidou, como vimos em Providence #02.

Página 13

"atingida por um raio" — uma referência aos eventos do fim de "A Estampa..."

"Wades e Burens" — outra vez uma possível referência a outras famílias mestiças de "Innsmouth". Notadamente, Buren é um sobrenome holandês e pode indicar uma conexão com os Prinns.  Ludwig Prinn foi criado por Robert Bloch, que seria o autor de De Vermis Mysteriis, mencionado em "A Sombra fora do Tempo" e "O Diário de Alonzo Typer" de HPL.

Página 14

No chão da calçada onde estão caminhando há uma suástica. Em "Innsmouth" há referência ao uso de um símbolo que se não é igual, seria muito parecido com uma suástica. Antes da Segunda Guerra Mundial a suástica era um tradicional símbolo de boa sorte entre muitas culturas.

"Fill-foot" — uma variação do termo "fylfot", um símbolo pré-cristão. Mais sobre isso em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Su%C3%A1stica#A_Europa_pr.C3.A9-crist.C3.A3

"num quere raça diferente se cruzando." — um reflexo do racismo da época que se opunha à miscigenação e a ideia disso em uma forma mais fantasiosa vem de "Innsmouth". Não que a ideia de casamentos interraciais fosse inviável; o próprio Lovecraft estava ciente de uma colônia de ilhéus de Fiji que vivia em Cape Cod e à qual ele se refere em "Innsmouth".

Página 15

Tem uma coisa interessante aqui: Tobit Boggs fala para a esposa que Black é do The New York Herald, mas Black não mencionou que era jornalista do Herald para Boggs nem para Suydam em nenhum momento que tenhamos visto. Isso pode significar diversas coisas, mas nada conclusivo... ainda.

O dispositivo que Negathlia-Lou está usando é um ábaco. Este usa conchas  em vez de miçangas ou contas. É decimal e estranhamente possui sete colunas mas nenhuma "casa" ou equivalente. Não entendo muito disso então se alguém souber mais a respeito, sinta-se à vontade para comentar.

Negathlia-Lou responde ao cumprimento de Black com "O prazer é meu", mas ela tem "língua presa" ou então está falando de um jeito que lembra o Aklo.

No quadro a marcação está em grupos de quatro em vez de cinco, como é o habitual. Pode indicar um sistema numérico híbrido de base quatro.

Embora a "Lei Seca" nos EUA tenha começado apenas em 1919, o contrabando de rum, para evitar impostos, foi uma constante desde os tempos das colônias. O tal contrabando de gente pode indicar uma conexão entre Boggs e Suydam nesse sentido (como em Horror em Red Hook), bem como com Joseph Corwin (como em O Caso de Charles Dexter Ward).

Esses túneis são, é claro, os de Neonomicon. A porta do alçapão parece idêntica a que é vista em Neonomicon 02, indicando que este pode ser o lugar que se tornará a loja "Sussurro nas Trevas".

Página 16

Observe que algumas das gravuras nas paredes dos túneis são iguais às vistas em Neonomicon, mas algumas gravuras vistas em Neonomicon não são vistas aqui, o que sugere que foram desenhadas nesse meio tempo.

Outra diferença notável é que a porta no fim do túnel está barrada aqui. Em Neonomicon não estava.

Página 17

A reação de Black sem dúvida vem da semelhança entre este lugar e aquele sob o porão de Robert Suydam.

Note que, por fora, o escritório da Refinaria Boggs se parece bastante com a loja "Sussurro nas Trevas" de Neonomicon, reforçando que a loja foi feita neste mesmo lugar anos depois. Acima temos a imagem de Providence e abaixo temos a de Neonomicon:

Página 18

Black está lendo "A Letra Escarlate", romance de Nathaniel Hawthorne. A título de curiosidade, este livro teve uma adaptação em Clássicos Ilustrados que chegou a ser publicado pela Editora Abril (e que eu tenho!). O livro em si também é muito bom. https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Scarlet_Letter_%28livro%29

Página 19

Aqui vemos Jonathan/Lily Russell. Perceba que em alguns momentos as falas não fazem muito sentido... porque é um sonho.

No sonho Lily se transforma em Prissy Turner (que, até onde sabemos, é mulher mesmo e não tem pinto na "vida real") e a cama está no escritório do Herald. À direita vê-se Freddy Dix, colega de trabalho deles.

Novamente vemos Lily, mas o cenário agora é um trem. À direita está Ephrahim Posey, seu chefe no Herald.

Quando Black diz que não gosta de peixe fica subentendido, principalmente no original em inglês, que Black está fazendo uma alusão ao folclórico cheiro da genitália feminina... em outras palavras, Black está dizendo que não gosta de xoxota.

Página 20

Com "trem de gado" o sonho começa a invocar o Holocausto da Segunda Guerra, que atingiu judeus, homossexuais e outros "indesejáveis", mas que só aconteceria dali a vinte anos. De fato, se o leitor prestar atenção, verá que em diversos momentos houve "sugestões" sobre eventos que só viriam a ocorrer durante a Segunda Guerra. É outra coisa para se guardar na mente. Essa confusão temporal indica que Moore está sugerindo que os sonhos de Black podem antever o futuro.

Novamente vemos o funcionário da estação com a marca de nascença no rosto.

Página 21

"Sarlem, Nathachusetts" — uma mistura de Salem, Massachusetts e Sarnath, uma cidade da terra dos sonhos, notável em "A Maldição de Sarnath", de HPL.

As referências a eventos da Segunda Guerra continuam... câmaras de gás e "chuveiros" são elementos bem conhecidos de quem conhece a respeito do Holocausto.

O "A" nas costas de Black vem do livro que ele estava lendo antes de adormecer. Em A Letra Escarlate, há o costume puritano de punir adúlteras obrigando-as a usar um "A" bem visível bordado em suas roupas. Black provavelmente se sente traindo Lily por não ter guardado luto e já estar totalmente interessado em Tom Malone.

Mais uma vez temos indicativos fortes de que Black sonha com eventos futuros, já que Malone está falando que leu o livro que Black ainda nem começou a escrever.

O ser na jaula foi visto em "O Pátio". Por volta de 1927/28 J. Edgar Hoover investiga os eventos ocorridos em uma cidade costeira de Massachusetts... e é ele que vemos aqui:

Sarlath é possivelmente o equivalente de Moore para a Sarnath de HPL.

"Hebraicossexuais" — um jogo de palavras para marcar que Black esconde que é gay e judeu.

A mão de Hoover dentro do casaco do homem à sua frente sugere homossexualidade entre ambos.

Página 22

Prissy Turner agora tem a aparência "Innsmouth".

A palavra "Concentração" em negrito não está lá por acaso... mais uma vez estamos diante de referências a eventos da Segunda Guerra, desta vez, campos de concentração.

"Seu cabeça dura" — no original ela o chama de Marblehead que, ao pé da letra, significa "Cabeça de Mármore", mas é uma referência óbvia à cidade de Marblehead, Massachusetts, que serviu de base para várias obras de HPL.

"Meu trabalho, isso vai me libertar" — no campo de concentração de Auschwitz a placa no portão dizia "Arbeit macht frei" (o trabalho te liberta). Claro, isso pode ser também uma indicação de que Black está querendo "sair do armário"...

os desenhos nas paredes são parecidos mas não batem com os vistos nos túneis de Boggs.

Schwartz é a palavra alemã para "Negro". Muitos imigrantes judeus mudaram seus nomes para outros mais "americanizados", em inglês... daí, Black significa "Negro" em inglês.

Uma coisa que passou batida até agora foi que eu deveria ter dito que Herald quer dizer "Arauto". Assim sendo, o nome do jornal onde Black trabalhou se chamaria "O Arauto de Nova Iorque". Arauto, para quem não sabe, é aquele que leva as notícias e ordens em nome de uma autoridade superior. Moore adora jogos de palavras e ele não deixaria isso passar em branco... o que nos traz a implicação de que Black será um arauto de alguma forma no decorrer da série.

O funerário da câmara de suicídio que apareceu em Providence 01 adota posturas similares. Pelo que sabemos, Black não teve nenhum contato com ele. O funerário está vestido em um terno de um preto absoluto, o que faz lembrar Nyarlathotep, que é conhecido também como o "Homem Preto".

Página 23

Notem que os desenhos nas paredes foram substituídos por suásticas... e que agora elas se parecem bem mais com as usadas no nazismo.

"Eles te fazem usar pequenas estrelas" — Referência óbvia à prática nazista de tatuar a estrela de Davi nos judeus para identificá-los... e um jogo com a "Sabedoria das Estrelas";

Tom Malone agora está lendo "A Letra Escarlate".

Página 25

O informativo da paróquia mostra proeminentemente Oannes, sugerindo uma conexão de proximidade com os "Amigos de Oannes".

"Fico feliz de ter encontrado o sujeito de quem todos falam." — Mais uma indicação que Black seja algum tipo de arauto.

Página 26

A "Ilha Misery" aparentemente é análoga ao Recife do Diabo (Devil Reef) em "Innsmouth".

O motorista do ônibus é Joe Sargent de "Innsmouth".

Página 27

A cena do nado da Ilha Misery lembra uma cena similar que é lembrada por Zadok Allen em "Innsmouth".

Os "submersos" são híbridos de humanos com abissais que vão para o mar quando atingem certa idade.

Gargos seria uma abreviação/corruptela para gárgulas, como em “Gargouille de la mer” (gárgulas do mar, em francês) de Neonomicon 04.

Página 28

Black está lendo a edição de Agosto de 1919 da revista Judge:

Página 29 - Páginas do "Livro de Banalidades"

Como já havia ficado "no ar", Robert Black inconscientemente tem a questionável dádiva de antever eventos futuros, mas isso ao que parece é algo que só funciona quando sua mente não está desperta. Uma prova disso seria ele achar que a greve dos atores terminaria mal, quando na verdade de acordo com o verbete da Wikipedia (já citado, em inglês) essa greve acabou sendo bem sucedida e encerrou-se sem maiores intercorrências. Conclui-se daí que os lampejos do futuro que Black tem só são vistos por ele em sonhos ou alucinações: sua mente racional é tão falha quanto a de qualquer um.

"(...) Ah, fragilidade, teu nome é Robert." — essa é uma paráfrase de uma citação de Shakespeare, em Hamlet. No original seria "Fragilidade, teu nome é mulher.", o que provoca a interpretação do subtexto no qual Black eventualmente pensa em si mesmo de uma forma feminina.

A Times Square já era uma área onde homossexuais viviam livremente mesmo naquela época. Black dava suas eventuais passeadas pela região para encontrar parceiros para satisfazer suas necessidades mais básicas.


Página 30

"(...) Yeats e o Crepúsculo Celta" — refere-se ao genial poeta irlandês William Butler Yeats. Ele participou, ao lado de outros, do Crepúsculo Celta (em inglês), que foi uma ressurgência literária dos valores folclóricos, mitológicos e literários da cultura irlandesa. Yeats também foi um dedicado ocultista, membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada.

"(...) um jovem bem vestido com o cabelo engomado... acho que ele tinha algum tipo de lenço amarrado sobre sua boca" — aqui temos a primeira referência a Johnny Carcosa em Providence.

A longa descrição, que se estende até a página seguinte, do quadro de Jean Delville (em inglês) é bastante satisfatória. Mais sobre ele em: http://www.muralfilosofico.com/2014/01/jean-delville-e-o-simbolismo-oculto.html. Uma reprodução de "Os Tesouros de Satã" encontra-se abaixo. A título de curiosidade, esta pintura de Delville já foi utilizada em pelo menos duas capas de discos de bandas de Metal! Confiram:


Página 31

"(...) uma débil sombra de Milton" — aqui a referência é a John Milton, autor do magistral poema épico, O Paraíso Perdido.

"(...) Stein ou Eliot ou alguém assim (...)" — Gertrude Stein e T.S. Eliot foram membros do movimento modernista que, notavelmente, buscou rejeitar estilos tradicionais em favor de novos conceitos. É interessante observar que Black é o completo oposto de Lovecraft neste ponto (e em muitos outros): enquanto HPL sempre se interessou por cultura clássica, Black é o típico sujeito antenado nas novidades.

Guillaume Apollinaire (nascido Wilhelm Albert Włodzimierz Apolinary de Wąż-Kostrowicki), foi um escritor e crítico de arte francês, possivelmente o mais importante ativista cultural das vanguardas do início do século XX, conhecido particularmente por sua poesia sem pontuação e gráfica, e por ter escrito manifestos importantes para as vanguardas na França, tais como o do Cubismo, além de ser o criador da palavra Surrealismo.

Página 32

A posição da tatuagem na personagem em desenvolvimento está na mesma posição da marca no rosto do funcionário da estação de trem.

Página 33

"(...) os piores excessos dos Góticos (...)" — A ficção Gótica foi um gênero literário que combinou o horror e o Romantismo. A ficção de Lovecraft se enquadra no gótico moderno.

Endymion (em inglês) é um poema épico e enorme de John Keats. Duramente criticado na época em que foi publicado (1818), é considerado um dos pontos altos da poesia de seu tempo.

"(...) usando uma máscara hedionda e adotando maneirismos repugnantes (...)" — essa referência remete ao conto O Forasteiro (The Outsider) de HPL que você encontra aqui.
Página 34
O Hotel Pequoig (em inglês) foi um hotel de verdade e seu prédio ainda existe em Athol, Massachusetts. Pequoig é o nome da tribo indígena dominante na região.

A Estação Penn, forma abreviada de Estação Pennsylvania, é o principal entroncamento ferroviário intermunicipal de Nova Iorque.

Eddie Cantor foi um ator da Broadway.
Bolchevique é (ou era) a facção comunista que eventualmente se tornou o partido dominante na Rússia. Informalmente o termo era usado nos EUA para se referir aos socialistas em geral.

"(...) eles tiveram um incêndio há poucos anos (...)" — isso se refere ao grande incêndio de Salem (em inglês), em 1914. Um pouco sobre isso pode ser visto em http://www.roteiroserelatos.com.br/salem-a-cidade-das-bruxas/
Página 35
"(...) Shadrach alguma coisa — era um sujeito maduro e grande com um jeito de urso (...)" — isso é uma referência extemporânea à gíria gay da comunidade que se denomina "ursina". Os ursinos, embora não se possa generalizar, poderiam ser caracterizados por serem homossexuais de aparência masculina, robusta e eventualmente peludos, em contraste com o homossexual estereotipado como afeminado e "afetado".

Naumkeag (em inglês) é o nome dado pelos nativos norte-americanos ao Rio North de Salem.

O lar de Annesley sendo atingido por um raio na década de 1890 remete ao conto A Estampa da Casa Maldita, de HPL
"(...) como se ele estivesse afim de me devorar (...) — no original "gobble me up", pode ser interpretado como comer no sentido de devorar, mas pode ser entendido como comer no sentido de manter relação sexual... exatamente como usa-se o verbo comer, formalmente e informalmente, em português. 

"(...) Havia algo sobre uma pedra em 1882 (...) — isso se refere ao conto A Cor que Veio do Espaço, de HPL. Na próxima edição esse conto terá papel importante, então deixo desde já a recomendação para que vocês o leiam. Curiosamente, este é o conto que HPL mais gostou de ter escrito.

Página 36

Marblehead foi a cidade que HPL usou como base para sua Kingsport, cidade que é citada em várias de suas obras como O Terrível Ancião.

Black não falou sobre sua ocupação no Herald para Suydam e Gerritsen, pelo menos que tenhamos visto, enquanto se recuperava de seu desmaio no porão de Suydam.

Página 37 — Informativo da Paróquia

Antes de mais nada tenho que dizer que a demora no lançamento desta edição se deveu fundamentalmente à dificuldade de traduzir as cinco páginas seguintes. Moore usa e abusa de jogos de palavras, trocadilhos e erros de grafia propositais... tudo com a intenção de tornar este "informativo" algo críptico, como um código que só é entendido por aqueles que sabem o que se quer dizer nas entrelinhas. Infelizmente esses jogos de palavras (no que Moore é um mestre) são em sua maioria absolutamente intraduzíveis. Mesmo para alguém com domínio do idioma inglês essas páginas representam um desafio para a compreensão. Destarte eu decidi por dar um tom mais literal à tradução, de modo que o leitor possa entender o que o texto quer dizer, já que a riqueza das construções frasais de Moore só poderiam ser apreciados em sua plenitude em inglês. Ah, eu deixei propositalmente na tradução diversos erros de grafia e de português para "manter o clima" original.

A citação é da versão do Rei James da bíblia e, como se pode ver, contém um "erro". Onde deveria estar escrito "pescadores de homens" está "pescados de homens". Isso, conjugado com o clima da trama, muda por completo o sentido da passagem do evangelho de Mateus...

Página 38

Oannes, que está na capa do informativo da paróquia, foi uma divindade adorada por filisteus na região da Palestina. Trata-se de uma divindade que acredita-se ser o mesmo Dagon, que era adorado por Sumérios, séculos antes.

O texto citado não está em nenhum evangelho da bíblia, embora contenha reminiscências de trechos bíblicos.

O ídolo dos Filisteus é Dagon, como mencionado em 1Samuel. Uma divindade com a aparência de homem e peixe.

"(...) através de negros abismos para morar entre maravilhas e glórias para sempre." — isso ecoa o trecho final de A Sombra Sobre Innsmouth, cujo texto pode ser baixado na íntegra no início desta postagem.

Página 39

"Velhos Símbolos" se referem às suásticas, como a vista na calçada próxima à refinaria Boggs.

"(...) não-terra prometida (...)" ecoa trecho do evangelho de Mateus que eu não lembro agora e estou com preguiça de procurar. Claro, no caso de híbridos aquáticos, o ideal seria uma "não-terra" em vez de uma terra prometida.

"Ruptura de arrebatamento" — isso foi traduzido dessa forma porque no original é usada a palavra "rupture", que quer dizer "ruptura" mas... o sentido que se quis dar foi o de "rapture", que quer dizer "arrebatamento", como o arrebatamento de que se fala na bíblia, só que passando uma ideia de que isso é feito rompendo uma membrana entre universos. Não disse que deu trabalho?

"(...) um caralho de cachorro bem cozido enrolado num pão (...)" — um cachorro-quente. 

“yh’naghu” and “yh’nak’hu” o pastor está administrando aulas de Aklo a seus paroquianos. A coisa de repetir muitas vezes e no ar lembra o conceito ocultista de mantras como forma de focalizar a vontade.

"(...) haverá uma nova desova em Misery (...)" — a expressão destacada se refere a ovas de peixes. No original "Roe".

"(...) Oannes guarda vocês em segurança dentro da boca." — isso pode se referir tanto ao comportamento de algumas espécies de peixes que guardam suas ovas dentro da boca até a eclosão quanto ao evangelho de Jonas, em que ele fica guardado dentro de uma "baleia".

Página 40

"Mitra de ouro" — uma mitra é uma espécie de "chapéu de distinção" usado por clérigos. Lembre-se do chapéu do Papa. Quase certamente o elmo dourado que Black viu na refinaria Boggs era essa mitra.

O "Grande Abate Seco", ao que parece, se refere à Primeira Guerra Mundial.

Grande Enguia e Mestre das Falsas Luzes — aparentemente a estrutura da "Amigos de Oannes" lembra a hierarquia de outras sociedades como a Maçonaria e a Ordem Hermética da Aurora Dourada.

"(...) pastores de homens no velho ponteão de Bering (...)" — bem, a última vez que o Estreito de Bering foi um ponteão ligando a Ásia à América foi na última glaciação, o que ocorreu há mais ou menos uns 20.000 anos. Especula-se que homens e animais atravessaram por ali da Ásia em direção à América. Essa tia Urugathru-Bee é meio velhinha, né?

"(...) A remoção de pele do caralho e derramamento (...)" — Isso sugere uma cerimônia similar a uma circuncisão, embora soe como se tivesse algo mais envolvido nisso. A opção de usar a palavra "caralho" para traduzir o original "sex-stick" vem de sua origem: pouca gente sabe, mas essa palavra é originalmente um termo náutico, usado para designar o cesto de observação localizado no mastro mais alto de uma embarcação. Com o tempo, passou-se a chamar informalmente o próprio mastro de caralho. Daí vem diversas interpretações e derivações de sentido.

"(...) quebrar o caralho dentro para frustrar outros colegas (...)" — Na natureza observa-se isso em uma espécie de aranha, que após a cópula "deixa" seu pênis dentro da fêmea a fim de que outros machos não consigam copular com ela. Isso aponta que os híbridos de humanos com abissais possam usar do mesmo expediente, tendo eles a capacidade de regenerar esta parte de sua anatomia quando necessário.

Página 41

O relato de Annesley leva a uma conexão entre a história da Stella Sapiente (incluindo Colwen, Massey e Roulet) e a Amigos de Oannes.

Amoskeag Falls (em inglês), traduzido como Cataratas de Amoskeag, é uma referência a uma área de New Hampshire habitada pelo povo Pennacock. O nome Amoskeag deriva da da palavra indígena Namoskeag que significa "bom lugar para pescar".

"(...) os quatro caminhos para contornar o cemitério (...)" — refere-se aos quatro métodos do livro, como foi mencionado pelo Dr. Alvarez em Providence 01.

Página 42

"Salsichas pretas" é um tipo de salsicha feito com sangue congelado.

Página 44 — Contracapa

A citação foi retirada da compilação H.P. Lovecraft - Selected Letters.



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12 comentários:

Alão Morais disse...

Olá, Skætos! Excelente trabalho como sempre!
Quanto ao balãozinho da página 10, talvez o texto esteja em hebraico. Veja a similaridade das letras com as do link abaixo:
http://www.cafetorah.com/images/frases/frases1.gif
Um grande abraço!

Skætos disse...

Caro Alão Morais, obrigado pelo incentivo.
Sim, acredito que você tem razão: parece mesmo ser hebraico. Agora é só achar alguém para traduzir isso!

Leandro 2112 disse...

Nossa, é tanta coisa que após a leitura minha cabeça saiu pegando fogo.

Skætos disse...

Se a tua cabeça saiu pegando fogo, Leandro, imagina o estado da minha! Bom, pelo menos eu tinha avisado no grupo do Facebook que Providence não é indicado para quem tem preguiça de ler. Ainda bem que não é o seu caso!

Abraço.

rfc disse...

não li ainda, nem a edição 3 nem os extras dela, como fiz com as duas primeiras, mas mesmo antes de "degustá-la", já lhes agradeço mais uma vez por tudo o que nos proporcionam, sempre...

André disse...

Skaetos não sei quem você é, mas pela qualidade dos teus escritos deve ser jornalista...certo?

Skætos disse...

André:
Tomo como elogio seu comentário. Não sou jornalista. Apenas um simples advogado. Acredito que a palavra escrita deve ser bem tratada e eu, na minha profissão, sempre tive que ter algum domínio sobre o nosso idioma.

Aproveitando o gancho, farei um pequeno "discurso" sobre um ponto que considero importante:

Sem desmerecer quem não teve a oportunidade de ter uma educação formal de qualidade, eu creio que sempre é tempo de evoluir como pessoa e como cidadão.
Uma das maneiras que encontro de "fazer a minha parte" é tendo cuidado com meu português para que os leitores do blog não sejam "contaminados" com erros de português.
De certa forma, boa parte do meu interesse pela leitura em geral se deveu à leitura de quadrinhos na infância e adolescência. Hoje, informalmente traduzindo scans em meu tempo livre, sinto-me na obrigação moral de trazer traduções bem feitas do ponto de vista técnico. Dessa forma os leitores, principalmente aqueles que não tiveram uma educação de qualidade, tem acesso não só a quadrinhos de qualidade mas também a algo que não vai fazê-los saírem por aí escrevendo errado porque viram num dos scans que eu tenha traduzido um erro grosseiro de gramática.

Abraço.

André disse...

Grande Skaetos!!! Agora me tire uma dúvida...você traduziu Providence apartir do seguinte grupo de scans [Providence_001_(2015)_(Digital)_(Mephisto-Empire).cbr], confere?

Skætos disse...

Depende. Tanto o grupo Mephisto/Empire quanto o Minuteman/Faessla estão escaneando Providence. Uso a primeira versão que encontro, desde que esteja completa. A qualidade dos grupos é similar e saem quase ao mesmo tempo.

André disse...

Fiz essa pergunte pois notei que você diminui a resolução dos scans originais e, por favor não encare como crítica e sim como sugestão, gostaria de saber a possibilidade de manter a resolução original. Muitos dos teus leitores leem em ipads e eu em particularmente leio em um tablet 2K da Samsung (TM-800N), logo quanto mais resolução melhor. Alias, tablets não são fantásticos para se ler um CBR?


Abraço.

Marcio Roberto disse...

Interessante é que na página 21, quando malone fala que após ler o livro de Black ele acabou "embaixo do mundo" na hora você lembra do que houve no desenrolar de Horror em Red Hook, que é um conto que eu li inclusive para esta edição, mas não gostei muito. Na verdade nem mesmo o próprio Lovecraft gostou, conforme vim saber depois.

Ps: O nome do protagonista do maravilhoso A Sombra sobre Innsmouth se chama Robert Olmstead, sabiam? O Lovecraft revelou isso num carta e este conto é tão popular que até já ganhou uma sequência feita em um jogo de RPG!

T. disse...

Mesmo depois de quase uma desta postagem, gostaria de parabenizar o causídico pela qualidade das traduções.
Supera, em muito, as da obra publicada pela Panini.