sexta-feira, 5 de maio de 2017

Providence 12 de 12 - Extras

Nossa última seção de extras para Providence. Se vocês seguiram as instruções de sempre, então já leram a última edição antes de vir para cá. A propósito, a ilustração acima é uma das capas para o artbook que a Avatar Press planeja lançar em breve (está em campanha no Kickstarter, se alguém tiver interesse) e que, se possível, traremos a posteriori.
Como dito em outras paragens, eu (Skætos) e Johnny Who fizemos o nosso melhor para levar para todos vocês a nossa adaptação desta série grandiosa. Não foi nada fácil, mas acho que isso deve ser meio óbvio para vocês.
Foi bom. Obrigado a todos que incentivaram e participaram.
Cliquem em "expandir postagem" para continuar.




Capas Variantes: Temos um montão delas a seguir...

Capa Dreamscape

 Bem autoexplicativa, não é? Cthulhu aparentemente transformando o que parece ser Nova Iorque.

Capa Pantheon
Outra aparição de Cthulhu com alguns Abissais nadando ao seu redor.

Capa Portrait
Ora, se não é nosso grande Howard Phillips Lovecraft curtindo sua bela biblioteca. Esta imagem parece ser baseada em uma estátua de propriedade de Guillermo Del Toro.


Vários dos livros são identificáveis e tentarei colocar alguns deles abaixo numa lista e, quando tiver edição nacional (que eu saiba...), terá o título em português. Vale destacar que todos eles de fato compuseram a biblioteca de HPL, quase todos são de antes de 1919 e em vários casos o próprio HPL deixou registrado quando adquiriu determinado livro.
  • Prateleira superior:
    • “Gods of Pegana”, de Lord Dunsany. Falamos deste livro e do autor em outras ocasiões.
    • “Mary Shelley / Frankenstein”
    • “The Last D…” (Possivelmente "The Last Devil", de Signe Toksvig)
    • “Da Terra à Lua”, de Jules Verne.
    • “The First Men in the Moon”, de H.G. Wells
    • “Ghost Stories of an Antiquary”, de M.R. James
    • “Oscar Wilde” (O título não parece se encaixar em nenhum dos livros da coleção de HPL, embora se saiba que ele tinha obras de Wilde)
  • Segunda prateleira:
    • “The House of the Black Ring”, de Fred Lewis Pattee
    • Algo de E. A. Poe (O título não parece se encaixar em nenhum dos livros da coleção de HPL)
    • “An Exchange of Souls”, de Barry Pain
    • “O Escaravelho”, de Richard Marsh. Já mencionamos este autor e esta obra.
    • “Those Who Return”, de Maurice Level. HPL referiu-se à ficção de Level em seu ensaio "O Horror Sobrenatural na Literatura", que já mencionamos em edições passadas.
    • “O Navio Fantasma” , do Capitão Frederick Marryat.
    • “Lilith”, de George MacDonald. Não confundir com George MacDonald Fraser!
    • “The Old English Baron”, de Clara Reeve
    • “Beyond the Great South Wall”, de Frank Savile. Muito provavelmente esta foi a maior inspiração de HPL para "Nas Montanhas da Loucura".
  • Terceira prateleira:
    • “The Grip of Fear”, de Maurice Level
    • “The Human Chord”, de Algernon Blackwood. Já mencionado em nossas anotações.
    • “O Andarilho das Estrelas”, de Jack London
  • Quarta prateleira:
    • “Histórias de Fantasmas”, possivelmente o livro de Charles Dickens.
    • Dois volumes de “(alguma coisa, talvez 'Colonial') Rhode Island”, de autoria não identificável.
    • “No Meio da Vida”, de Ambrose Bierce.
  • Prateleira inferior:
    • Algo de Leonid Andreyev (Talvez “The Seven That Were Hanged”, ou "Os Sete Enforcados)
    • Algo de Nathaniel Hawthorne (Provavelmente “The House of the Seven Gables”)
    • Algo de Robert Chambers (Presumivelmente “O Rei de Amarelo”)
    • “Vathek” de William Beckford. Diga-se de passagem, uma figura extraordinária. O protótipo do Dândi.
    • “Visible and Invisible” de E.F. Benson.
     
Capa Women

Uma contemplativa e grávida Merril Brears diante de um mar tempestuoso. Uma imagem que fala muito para quem já terminou de ler a série.

Capa Weird Pulp

Outra representação de Cthulhu, desta vez claramente inspirada em O Chamado de Cthulhu.

Capas para Providence Ato 1


Como eu até já tinha mencionado, a Avatar Press não perde tempo quando o assunto é ganhar dinheiro. Mal saem os fascículos e já tem encadernações prontinhas. Providence foi dividida em 3 atos, cada um com quatro edições. Nem vou explicar nada. Basta vocês olharem e verão do que se trata cada capa. Detalhe: Robert Black só protagonizou capas nos encadernados.

Capa do Ato 2

Capa do Ato 3


Capa de Dreadful Beauty
O projeto ainda nem vingou no Kickstarter e a Avatar já tem capa variante! PQP! Bom, só pra constar, o título seria algo como "Beleza Terrível". Abaixo vou colocar parte do material que a Avatar já disponibilizou para divulgação. São esboços e projetos de capas que não foram utilizados pela editora.


Página 00 - Capa Regular:

A ponte representada é uma mescla de duas pontes. A grade é da MacGregor Bridge, que vimos em Prov 05 e 06. Os suportes parecem ser da ponte que ocupa o mesmo lugar da anterior hoje em dia, na cabeceira da... Rua da Ponte! Quanta originalidade!


Página 03

Carl Perlman, de Neonomicon e O Pátio, quando compara o que está acontecendo com "esporos", ecoa os sonetos de HPL "Fungos de Yuggoth".

"Acho que qualquer narrativa efetiva age como um vetor de contágio." — Perlman está tratando os mitos de Cthulhu como informação perigosa ou mesmo memes.

Sax e Brears são, respectivamente, Aldo Sax (personagem principal de O Pátio e coadjuvante de Neonomicon) e Merril Brears (protagonista de Neonomicon)

"Um tomo imaginário que gerou vários tomos reais, junto com um bando de ocultistas pirados insistindo que é tudo verdade." — Obviamente Perlman está falando de como o Necronomicon fictício de HPL acabou por gerar vários outros grimórios escritos por ocultistas mundo afora. Isso foi abordado de forma breve em Providence 11.

Lembrem que a mão direita de Perlman é uma prótese. Ela foi decepada por Aldo Sax entre os eventos de O Pátio e Neonomicon. Eu falei disso em edições anteriores, inclusive por conta de uma das capas variantes ter justamente essa imagem que não chegou a aparecer durante a trama.


Vamos às publicações esparramadas pela página:
  • Three Tales of Terror (Três Contos de Terror) (1967, Arkham House), com arte de capa de Lee Brown Coye, uma compilação de ficções de HPL em capa dura pela editora de August Derleth.
  • Leaves (Folhas) (Summer 1937, Dragon Fly Press), de autoria do amigo de HPL, RH Barlow, e que contém tributos à obra de Lovecraft.
  • Lovecraft at Last (algo como Enfim, Lovecraft) (1975, Carrolton-Clark), uma biografia/memorial de HPL por seu amigo Willis Conover. Essa capa é a da primeira edição.
  • The Lurking Fear & Others (O Medo à Espreita & Outros Contos) (1973, Ballantine), de HPL. Uma encadernação em material simples com preço acessível.
  • H. P. Lovecraft: A Critical Study (H.P. Lovecraft: Um Estudo Crítico) (1983, Praeger), uma importante obra crítica sobre HPL, por Donald Burleson. Esse é um que falta na minha coleção.
  • E, naturalmente, o Livro de Banalidades de Robert Black.


Página 04

O título da história, "O Livro", num primeiro momento remete ao primeiro soneto de "Fungos de Yuggoth" que tem o mesmo nome. Poderia ser tomado também como uma referência ao Necronomicon ou ao livro de Black ou mesmo ao Alfarrábio de Hali.
Ledo engano.
Um comentarista de um site de discussões matou a charada. Trata-se de uma referência a um conto inacabado de HPL que tem esse título e que, em uma de suas passagens, diz mais ou menos o seguinte (em uma tradução livre de minha autoria):
"Eu jamais poderia ver o mundo como eu o tinha conhecido. Mesclado com o cenário presente estavam sempre um pouco do passado e um pouco do futuro, e cada objeto que uma vez me foi familiar ficava estranho na nova perspectiva trazida pela minha visão ampliada. A partir daí passei por um sonho fantástico de formas desconhecidas e de formas pouco conhecidas; e, a cada novo portal atravessado, com menos clareza eu conseguia reconhecer as coisas da estreita esfera à qual eu fui ligado por tanto tempo."

Vemos os agentes Carl Perlman, a agente Barstow e o agente Fuller. Na tela da TV vemos a manifestação de Yog-Sothoth como a Árvore da Vida da cabala sobre o Club Zotique em Red Hook. Vimos essa mesma representação na edição passada. Do lado de fora, silhuetas das gárgulas noturnas.

Como dito anteriormente, a Faculdade São Anselmo, em Manchester, New Hampshire, é o análogo de Providence para a Universidade Miskatonic, onde uma cópia do Necronomicon era mantida.

"Vocês acham que será lá que poderemos achar a Merril?" — Isso mostra que Perlman ainda está focado em Merril Brears. Os motivos?
A) Porque ela engendrou e executou a fuga de Aldo Sax.
B) Por causa de senso de responsabilidade, uma vez que ela foi capturada, estuprada e engravidada sob seu comando.
C) Porque ele tem sentimentos românticos em relação a Brears.
D) Um pouquinho de cada.


Página 05

"(...) ou Salem, onde Merril foi mantida cativa." — eventos vistos em Neonomicon 03 e 04.

"Mas esse culto (...)" — Perlman está usando a nomenclatura típica dos Mitos para qualquer grupo que venere ou interaja com os Mitos, popularizado pelo RPG O Chamado de Cthulhu. Isso mostra que ele está inconscientemente perpetuando o meme.

"Que tal a igreja no Brooklyn, onde isso começou?" — A igreja é na atualidade o Club Zotique, de O Pátio.

"Tem mais daquelas coisas tipo morcego de borracha do que quando chegamos..." — As gárgulas da noite.

"Além disso, quando ela soltou o Sax, uma das testemunhas disse que ela parecia grávida." — A soltura de Sax foi vista rapidamente na edição anterior. A gravidez de Brears advém de ter sido estuprada por um Abissal, o que foi revelado no final de Neonomicon.

O quarto painel e a página seguinte são bastante similares ao final do filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock (1963), onde os protagonistas estão tentando lentamente e com cuidado chegar ao carro deles e partir sem chamar a atenção dos pássaros que estão sobre telhados, árvores e fios de postes, olhando para baixo para os pequeno e frágil carro dos humanos , prestes a atacar a qualquer momento. Se você não assistiu esta obra prima, use sua internet para fazer isso agora mesmo. É uma ordem!!!


Página 06

Espécie Invasora normalmente se refere a um organismo de outra parte da Terra, invadindo um novo habitat que não tem defesas contra ele. Embora ainda seja tecnicamente verdade aqui, a situação está mais para uma invasão alienígena, onde a própria Terra está sob o ataque deliberado de criaturas de outros planos dimensionais.


Página 07

No primeiro painel ficou evidente que não adiantou tomar cuidado... as gárgulas levantaram voo e sabem para onde eles estão indo.

"Ela mudou a nosso favor éons atrás, iniciando a história humana." — Conceito similar ao visto na história "Um Conto de Mil Gatos", de Neil Gaiman em Sandman.

"O mundo onírico transmitiu seu livro a ele como uma arma de propaganda..." — Refere-se à propaganda como conteúdo de mídia desenvolvido para direcionar opiniões para um determinado ponto de vista. Os conspiracionistas piram quando veem coisas assim!


Páginas 08 e 09

Notem que as duas páginas formam um políptico em página dupla. Não é a primeira vez que vemos este recurso de narrativa visual. Para maiores informações, retornem à edição em que Robert Black e Randall Carver dão uns rolés pelo mundo onírico. A mesma situação se repete aqui. Desta vez, todavia, o mundo onírico está se mesclando ao nosso. Isso se coaduna com a constante sensação dos agentes estarem como num sonho.

Essa splash-page mostra a cidade de Pitsburgh, mais precisamente a pista sul I-579, saindo do Centro de Convenções.

Vemos o domo de proteção da cidade. Um dos propósitos manifestos desses domos sobre as grandes urbes seria protegê-las de espécimes invasoras, tal como visto em A Cor Vinda do Espaço, o que claramente fracassaram em realizar. Esses domos são mencionados em O Pátio e apresentados em Neonomicon. Observem que essa ideia remete a O Rei de Amarelo, de Chambers.

"Isso já aconteceu antes com alguma outra obra de ficção?" — Refere-se aos Mitos de HPL formando um dos mais antigos universos compartilhados, um em que ele encorajou outros a contribuírem e expandirem. Em termos de ficção comercial e popular contemporânea os Mitos de Cthulhu foram essencialmente singulares em seu apelo e acessibilidade logo por começar uma base de fãs e uma produção em revistas pulp bem acessíveis.

"Hã... bem, provavelmente não desde que os primeiros Cristãos não notaram que os Gnósticos estavam sendo simbólicos." — Referência ao Gnosticismo, um grupo de sistemas de crenças inter-relacionadas que emergiu do Judaísmo. Boa parte do Gnosticismo se preocupava em possuir um conhecimento especial (gnosis) sabido apenas pelos iniciados, e seus escritos e crenças eram frequentemente ocultados por meio de simbolismos.

"Ela muda enquanto se olha para ela." — Remete à ideia de que a realidade é essencialmente uma questão de percepção, como na Alegoria da Caverna, de Platão. Em um contexto hodierno, comparem isso ao Gato de Schrödinger, onde a realidade é determinada ao ser percebida. Isso poderia implicar que quanto mais alguém está ciente do mundo onírico, mais consciente esse alguém se torna, como uma espécie de loop infinito. Também faz eco a uma frase de Randall Carver em Providence 08 que estou com preguiça de procurar, então releiam! hahahahaha

"Isto se parece mais onírico com o tempo. Há aquela aceitação, como se tudo que está acontecendo fosse de alguma forma normal." — Um fenômeno geralmente conhecido como Lógica dos Sonhos. Recomendo este ensaio feito por João José R. L. de Almeida (FCA/Unicamp): poucas páginas de bastante esclarecimento.

"O mundo dentro de nós... está mudando também. Talvez seja o único mundo que está mudando." — Sugerindo que o mundo onírico e o "mundo real" (ou mundo desperto?) coexistiram o tempo todo: foi (e é) somente a percepção humana que mudou.


Página 10

A abundância de gatos sugere uma conexão com Os Gatos de Ulthar. Notadamente são todos brancos, similares àqueles que Carver e Black encontraram em Providence 08. É possível que a ausência de pessoas se deva ao fato de os gatos as terem matado, como ocorreu em Os Gatos de Ulthar.

"A-acho que é o que chamam de Condado Lovecraft." — provavelmente isso deveria ser Província Lovecraft. No original em inglês Condado (County) é bem parecido com (Country). Essa confusão e amnésia apresentada pelos agentes vai só se agravando daqui por diante, à medida que o mundo onírico vai se tornando cada vez mais sobreposto ao deles. O termo "Província Lovecraft" foi cunhado pelo falecido Keith Herber, músico e um dos mais proeminentes criadores de cenários de RPG para os Mitos de Lovecraft.

"Não consigo lembrar se tenho um namorado." — Significa tanto a evolução da amnésia/confusão onírica quanto uma referência ao fato de possivelmente a agente Barstow estar tomando consciência de sua própria natureza ficcional. Ela nunca mencionou um namorado antes, então por que o faria agora? Os leitores não sabem e nem ela.

Os quadros 2 e 3 mostram a transformação do carro da Agente Barstow se tornando o carro de Jenkins, de Providence 05 e 06. E eles nem percebem.

"Eu lembrava o quanto Merril estava insistindo que, em Salem, nada de sexual tinha acontecido. Então estou pensando em Beeks ou um dos cultistas, mas então por que a Merril não nos contaria?" — Mostra que Perlman ainda tem que somar dois mais dois: que Merril foi estuprada e engravidada pelo Abissal morto durante a invasão policial em Neonomicon 04.

"A placa lembra a de "Bem-Vindos a Manchester" em Providence 05. Exceto que agora eles estão em Arkham, a fictícia cidade de HPL.

"Por que eu diria Manchester? Aquilo ao menos é um lugar real?" — Os agentes já estão tendo problemas para discernir o mundo desperto do mundo onírico, tanto que até suas memórias são afetadas. O mundo "real" deles agora é aquele da ficção de HPL.
"T-talvez na Inglaterra." — Manchester também é uma cidade inglesa. Ironicamente Dunwich também é o nome de uma cidade inglesa que foi parcialmente submersa no século XIII.

Página 11

"Roulet, Japheth Colwen, a bruxa Massey..." são os fundadores da Stella Sapiente, descritos na edição 02. Black os encontrou durante sua jornada.

"Aqui caiu o meteorito que nos instou a construir nossos domos urbanos." — A versão de Providence para A Cor Vinda do Espaço, que apareceu na edição 05.

"Estou presumindo que aquilo é o que chamam de um Abissal." — Novamente os eventos de Neonomicon 04, em que um Abissal foi baleado por Barstow.

"Mesmo em Lovecraft, só dá certo com um macho humano e uma fêmea marinha." — Isso é verdade se levarmos em consideração apenas A Sombra Sobre Innsmouth. Contudo, em anotações, HPL fala que os Abissais machos também podem ter estuprado fêmeas humanas: "Todos os adversários estão mortos... muitas mulheres cometeram suicídio ou desapareceram." (extraído de Collected Essays, p.5249)

"Começa com 'M'. É... é Universidade Merrimack, ou algo assim?" — refere-se ao Rio Merrimack, que corre de New Hampshire a Massachusetts, passando por Manchester. Confusão e amnésia piorando. Na obra de HPL, a Universidade Miskatonic empresta seu nome do rio que passa pela cidade de Arkham... o agente Fuller até lembrou o nome do rio que passa em Manchester, só que o associou ao nome da Universidade (que se chama São Anselmo), enquanto Perlman já está lembrando dela como Miskatonic, confundindo ficção e realidade.

No quarto painel vemos no céu o que parece ser uma aurora boreal, mas na verdade é o primeiro sinal da chegada de Azathoth.


Página 12

"Ele falou algo sobre os alunos dele dançando. Eu ouvi que a Miskatonic era uma Universidade Católica, não?" — Remete a como, antes do II Concílio do Vaticano, a dança era uma oportunidade para o pecado entre os católicos, e ainda é assim considerada pelos mais tradicionalistas.

"Acho que isso explicaria os professores daqui entoando encantamentos na história de Dunwich do Lovecraft." — Refere-se a O Horror de Dunwich, embora a lógica de Perlman esteja confusa: no conto os cânticos eram dos homens de Dunwich, que erguiam os braços em um encantamento ritmado.

"(...) me pareceu que a Stella Sapiente tinha boas relações com a Igreja Católica." — Isso foi mencionado em Providence 09. Voltem lá e confiram.

O estado mental onírico dos agentes é tão evidente que Fuller empresta sua arma para o pobre coitado arejar a mente. Em circunstâncias normais um agente do FBI nunca faria isso...

"A igreja de 'O Habitante da Escuridão' em Providence não era Católica também?" — A Igreja de São João, em Providence, Rhode Island. Esse tópico foi detalhado na edição 09.

"(...) o Festival dele, é difícil desvincular aquilo do Natal." — Referência ao conto O Festival, de HPL. O segundo parágrafo começa assim:
"Era o Yuletide, que os homens chamam de Natal, embora saibam em seus corações que é mais antigo que Belém e a Babilônia, mais velho que Mênfis e a Humanidade."
O Natal celebra o nascimento de Jesus, assim Perlman pode estar tendo uma precognição inconsciente do que está por vir.


Página 13

O sujeito tocando violão é Stephen, uma das pessoas que Aldo Sax estava investigando em O Pátio, onde ele também é mostrado tocando um violão. Ele ainda está usando seu uniforme de detento. Lembrem que em O Pátio é mencionado que os seriais killers cortavam mãos e cabeças de suas vítimas. Observem também que duas das cabeças aqui parecem pertencer a companheiros de fuga de Sax (um logo atrás de Stephen e outro à esquerda dele). Isso deixa somente Sax sobrando.

Outro fato: o violão de Stephen agora não tem cordas, mas isso parece não impedi-lo de produzir música, uma vez que Perlman alegou ter ouvido música pouco antes.

"Aldo e a Dona Dho-hna" são Aldo Sax e Merril Brears. O termo "Dho-hna" aparece em O Pátio. Em Neonomicon, o mesmo termo é usado pelo Abissal para se referir à gravidez de Merril. Tem também uma referência a esse termo em Providence 06, que significava algo como "aquela força intrusiva cuja entrada inflige um novo significado". Notem que "Dho-hna" remete ao termo "Madona", ou Mãe. A sílaba que falta é justamente "Ma", que é radical para a palavra "mãe" em inúmeros idiomas e culturas. Eu optei por traduzir "Lady Dho-hna" como "Dona Dho-hna" justamente para dar uma ideia de redundância.


Página 14

Os restos do resto das vítimas estão com seus peitos abertos em uma configuração de estrela, como foi mostrado em O Pátio. Notem que há pouco sangue, o que infere que eles foram chacinados em outro lugar. No poema IX do ciclo de poemas Fungos de Yuggoth, de HPL temos mais ou menos o seguinte (traduzi sem rimar para evitar a fadiga):
"(...)
Abundando de homens dançando
Orgias loucas e sem som dos mortos rastejantes
E nenhum dos corpos tinha cabeças nem mãos!"

"Meio que me fez querer casar e ter filhos..." — Fuller abençoadamente já esqueceu da parte chata da vida dele... hahahahaha

"(...) nós chegamos aqui a pé?" — Brincadeiras à parte, a perda de memória está ficando exponencialmente pior. O cantinho do capô do carro, afundando e coberto de ervas, pode ser visto no cantinho inferior esquerdo do quarto painel. Na página seguinte temos uma visão melhor dele.


Página 15

"Não foi de Arkham que veio a mulher que escreveu Peyton Place? Grace alguma coisa?" — Refere-se ao romance Peyton Place de Grace Metalious, que nasceu mesmo em Manchester, NH.

David Lynch é um notório diretor americano, especialmente conhecido por sua série Twin Peaks, que se passa na "típica cidade do interior cheia de segredos". Se você ainda não assistiu, taí uma excelente recomendação do Tio Skætos. Contudo, Lynch não é de Manchester.

"Tipo, meio que faz sentido que as pessoas costumassem queimar tantos deles." — Historicamente, queimar livros foi um método de suprimir certas narrativas que se opõem àqueles que detém o poder.

Olha a mãozinha do Sr. Increase Orne no quarto painel!

Página 16

Da esquerda para a direita: Increase Orne, Etienne Roulet (possuindo um jovem hospedeiro) e Shadrach Annesley. A bolsa de Annesley provavelmente tem utensílios de corte de carnes...

"Ambos são meus juniores (...)" — Refere-se ao fato de a consciência de Roulet ter várias centenas de anos.
O segundo painel começa uma sequência de "dividir e conquistar", onde cada um dos recém-chegados afasta um agente do FBI dos outros.

"Sou o último sênior da ordem que se foi. O Século Vinte foi muito... exigente." — Sugere que nem Hekeziah Massey nem Japheth Colwen sobreviveram.

Percebam o contraste entre o cavalheirismo de Orne, em seu gestual, em contraste com o jeito rudimentar de Annesley.

Página 17

"Depois de nosso grande sucesso em 1919 (...)" — refere-se aos eventos de Providence 01 a 10, com seu ápice sendo o encontro de Black e Lovecraft. Eles estão caminhando pela Armory Street no sentido leste.

"Japheth, nós o perdemos em 1927 quando sua reintegração foi interrompida. Não pudemos nem recuperar os sais." — Refere-se ao análogo de Providence para Joseph Curwen, que se reconstituía a partir de "sais essenciais". A inspiração, claro, é O Caso de Charles Dexter Ward, escrito em 1927.

"Aí em 28 teve o negócio na São Anselmo com o semi-deus retardado dos Wheatleys." — Wilfred Wheatley e seu irmão, e os eventos de O Horror de Dunwich, escrito em 1928.

"Primeiro a querida Hekeziah pereceu e sua casa foi posta abaixo." — A bruxa é a equivalente de Keziah Mason, de Os Sonhos na Casa das Bruxas, escrito em 1932.

"Logo depois disso, eu mesmo passei perto." — Os eventos de A Coisa na Soleira da Porta, de 1933.

"E em 1937, quando o redentor morreu, ele era quase que desconhecido." — Isso faz referência ao fato de que HPL morreu em 1937 em relativa obscuridade, com sua obra sendo conhecida apenas por poucos aficionados pelo gênero.

"Há outros reunidos à manjedoura." — Outra referência à Natividade.


Página 18

Da esquerda para a direita:
- Um Mi-Go (também conhecido como fungo de Yuggoth, do conto Sussurros nas Trevas) segurando o Trapezoedro Brilhante (de O Habitante da Escuridão) visto na edição 09.
- Aldo Sax ainda usando seu uniforme de detento.
- Merril Brears com o bucho no pé da goela. Ela está com o Alfarrábio de Hali.
- S.T. Joshi, um renomado crítico e biógrafo de Lovecraft. Muito do que uso como material de referência foi escrito por esse sujeito. Certamente Moore também devorou a obra de Joshi, então foi muito bacana vê-lo homenageado no fim de Providence. A visualização dele, feita pelo Jacen Burrows, ficou ótima.
- Uma mulher habitada por um membro da Grande Raça dos Yith (de A Sombra Fora do Tempo).
- O cérebro de Ambrose Bierce em um cilindro carregado por outro Mi-Go.

Uma coisinha que não tinha reparado da primeira vez: no primeiro painel, reparem nos semáforos. O que está corrompido está verde enquanto o que está ainda intacto está vermelho. Talvez isso simbolize que a realidade alterada quer que os personagens prossigam com sua jornada, enquanto a realidade "da gente" quer que eles parem.

Observem também que daqui em diante as bordas dos painéis será sempre reta, indicando percepção paranormal.

Eles estão chegando pelo leste da já citada Ponte da Rua da Ponte, em Manchester.

"Carl? Fuller? Onde eu estou? Algo aconteceu..." A agente Barstow se lascou. Ela sofreu o mesmo destino dos que cruzaram o caminho de Orne, de acordo com o conto de HPL O Terrível Ancião, onde os espíritos das vítimas era aprisionado em "jarras-vitais".

Annesley, o comedor de gente, está limpando sangue do canto da boca. Adivinha quem virou carpaccio? Pobre agente Fuller... está livre de voltar para a mulher e os filhos.


Página 19

"E eu acho que é Aldo Sax junto a ela. Ele é o cara que inventou a Teoria da Anomalia." — Isso é de O Pátio. Os lapsos de memória de Perlman estão começando a parecer com demência progressiva.

"Carl, foi tudo só um sonho, tudo em Salem." — De uma certa perspectiva, é verdade.

Notem que os mamilos de Merril escureceram e estão bem intumescidos, um sinal típico de gravidez avançada. E pelo comprimento do cabelo ela não andou indo ao salão desde os eventos em Salem.
"Perlman, escute, sobre eu cortar a sua mão." — Aconteceu entre O Pátio e Neonomicon. Falei disso em outras ocasiões.

"Perlman, eu ainda estou de alguma forma totalmente consciente. Estou num inferno de fatos em fusão. Não há saída." — Sax aparentemente está ciente de tudo ao seu redor, ao contrário do estado onírico em que Perlman está. Ironicamente, o mais louco dos personagens até aqui é o único inteiramente são no final. Pode ser algo proposital por parte da Stella Sapiente... ou pode ser por causa da suástica que Sax riscou no meio da testa, que de alguma forma está afugentando a influência onírica. Lembrem que quando Black esteve justamente em Salem e conversou com Boggs, foi mencionado que suásticas eram símbolos místicos que faziam mal aos híbridos de Abissais e humanos, de forma que Boggs inclusive evitava passar por esses símbolos. Francamente, não sei porque Sax fez isso na testa dele, mas aparentemente deu certo no final. Ou nem tanto.

"Aqueles adiante são Mi-Go, levando dignatários importantes." — O conteúdo do cilindro é discutido logo adiante. O outro dignatário é o Trapezoedro Brilhante, que Johnny Carcosa identificou como "uma abstração" de Hastur na edição 10.

"Vocês conheceram Sr. Roulet, sr. Orne e o Sr. Annesley, nossos três sábios (...)" — Lembra os três reis magos na Natividade de Jesus. Os magos eram seguidores do Zoroastrismo, e ajudaram a dar origem à imagem do mago. Na tradição, os três seriam um velho, um homem de meia idade e um jovem negro, o que equivaleria ao menos visualmente ao trio mostrado nesta edição.


Página 20

Azathoth, como mencionado em várias outras ocasiões, é o "Sultão Demônico" de Lovecraft, o caos nuclear no coração do universo.

A ponte está se transformando, com as amuradas e as pilastras mudando. À esquerda temos a atual ponte da estrada, construída em 1988. À direita temos a Ponte MacGregor, de 1888, onde Black conheceu Elspeth Wade (na verdade, o corpo dela possuído por Etienne Roulet) em Providence 05.


Página 21

"(...) embora eu tenha notado uma ausência de ruídos." — Uma referência a À Procura de Kadath (ou A Busca Onírica por Kadath - títulos diferentes para o mesmo conto, dependendo da editora e da tradução):
"Viagens como essa envolviam perigos incalculáveis, sem falar no terrífico perigo final que guincha indescritivelmente fora do universo ordenado onde sonho nenhum alcança; aquela derradeira influência informe e maligna da mais infame confusão que blasfema e borbulha no centro de todo o infinito — o imensurável maléfico sultão Azathoth, cujo nome lábio algum ousa proferir em voz alta e que atormenta insaciavelmente, em câmaras obscuras e inconcebíveis além do tempo, em meio ao rufar abafado e enlouquecedor de tambores malignos e o lamento fino e monótono de flautas malditas, sob cujo abjeto martelar e soprar dançam lentos, desajeitados e absurdos os gigantescos Deuses Supremos, os cegos, mudos, tenebrosos e indiferentes Outros Deuses, cuja alma e emissário é o rastejante caos Nyarlathotep" (tradução da Ed. Iluminuras)
O balão do Mi-Go, que está em Aklo, diz IA’Y-AZU. Isso aparece no Alfarrábio de Hali (Providence 06) como "IA'Y-AZV, que se pronuncia WZA Y'EI, é A VASTA NEGAÇÃO NÃO DITA QUE AS PALAVRAS TRAZEM, COMO UMA SOMBRA AUSENTE". Em O Pátio temos o significado da mesma expressão, só que invertida, como num espelho: "Wza-y'ei é uma palavra para o espaço conceitual negativo deixado ao redor de um conceito positivo, a classe de coisas maiores que o pensamento, sendo o que o pensamento exclui".

"P-por que aquela mulher está fazendo aquela coisa com o braço, como em Doutor Fantástico?" — Uma citação ao filme Doutor Fantástico: ou Como eu Aprendi a Parar de me Preocupar e Amar a Bomba (1964), de Stanley Kubrick. Refere-se ao braço sequelado do Dr. Fantástico que frequentemente fica levantando sozinho.


Pagina 22

"MAS AZSIM COMO MARCUZZ AURELIUZZ É O MEU PAI (...)" — Duas observações aqui:
A) O zzz na fala do cilindro remonta à descrição do som mecanizado da voz que vinha desses cilindros em Um Sussurro nas Trevas.
B) A identidade do "ocupante" do cilindro ficou evidente pois Marcus Aurelius Bierce foi o pai de Ambrose Bierce, o sujeito que inventou Carcosa e Hali.

"Ao c-contrário. Eu c-creio que sei precisamente quem está lá." — Mostra que S. T. Joshi, além de ser um proeminente conhecedor de HPL, também sabe um bocado sobre Ambrose Bierce.

Página 23

"Em nossa espécie, o macho tem o gene que limita o crescimento. Na deles, é a fêmea. É como com os ligres." — Ligres são híbridos do cruzamento entre um leão e uma tigresa; eles crescem substancialmente mais do que as espécies de seus pais, uma vez que as tigresas não tem o gene que limita o crescimento.

"É AQUELE QUE ZZOMBA?" — É Johnny Carcosa quem está se aproximando, um avatar de Nyarlathotep, que é associado com zombaria. De À Procura de Kadath:
"Só para atiçar Nyarlathotep assinalou o caminho para a segurança e a maravilhosa cidade crepuscular; só para zombar, aquele mensageiro negro revelou o segredo daqueles deuses ausentes." (tradução minha, porque fiquei com preguiça de procurar a citação no livro)
"Sabe, de todo o panteão, eu sempre me perguntei porque ele era o mais humanoide." — Cthulhu é frequentemente representado com vagos traços humanoides.

"Ele será o hierofante deles, sonhando um novo planeta..." — Cthulhu é referido como um "grande sacerdote" em O Chamado de Cthulhu. Se você ficou curioso com o termo "hierofante", clica aí no link que o Tio Skætos colocou e ganhe 100 pontos de cultura! hahahahaha

Bom, Johnny Carcosa começou a falar com o cu de novo. Não, eu não vou ficar traduzindo o Carcosa pra vocês. A chave para descriptografar a linguagem buco-anal dele é a mesma que eu expliquei em Providence 10.


Página 24

"Como tudo she shubmete a uma ficshão maish forte?" — Sugere que os Mitos são uma narrativa que está substituindo a narrativa do "mundo real" que conhecemos... novamente, as entrelinhas de uma conquista por espécimes invasores.

"Shenhorita Brearsh, por favor tenha sherteja que eshte shervisho sherá bem apreshiado." — Todos aqueles que serviram aos Mitos aparentemente recebem suas recompensas.

"She voshê puder ashumir shua pojishão...?" — Posição, neste caso, pode ser tanto a forma literal (a posição de parto normal) quanto a forma figurada (assumir seu papel de Maria, na Natividade).

Perlman pode ser um dignatário, talvez por ter posto os eventos atuais em andamento. Foi ele que designou Aldo Sax em O Pátio. Talvez ele seja uma espécie de José bíblico, no que se refere a ele ter tido um caso com Brears antes de Neonomicon e por ter ainda esse sentimento platônico em relação a ela.

Todo o cenário tem a atmosfera ritualística que parece ser necessária para que o nascimento seja bem sucedido.


Página 25

"Carl... Carl, isto é tudo sua culpa." — Baita clichê que mães em trabalho de parto soltam para os pais... hahahaha! Brincadeiras à parte, em Neonomicon 04 Carl diz algo como "(...) um monte disso, o que você passou, muito é minha culpa" e Merril responde "Eu acredito em destino, Carl. Eu acredito mesmo em destino." Reflitão!
"E agora contemplem, pois o grande mar nos dá suas luzes..." — soa bastante bíblico, relembrando um trecho do livro do Apocalipse (cap. 20, eu acho...), que diz mais ou menos "O mar entregou seus mortos" e remetendo ao mesmo tempo ao famoso verso do Necronomicon visto em A Cidade sem Nome e O Chamado de Cthulhu:
"Não está morto o que pode eternamente jazer
E com estranhos éons até a morte pode morrer"
(Dessa vez fui eu que traduzi, e rimando! Chupa!)
Olha a garrafinha com a agente Barstow na mão do Sr. Increase Orne!

"Quando os céus conhecerão uma maravilhosa confusão, e as velhas estrelas nos serão devolvidas." — É uma reminiscência de "Algum dia ele conclamaria, quando as estrelas estivessem preparadas, e o culto secreto estaria pronto para libertá-lo.", de O Chamado de Cthulhu.

O tal "Papa do Sono" é Cthulhu: “Em sua morada em R’yleh, o morto Cthulhu espera sonhando.”, retirado de O Chamado de Cthulhu.

"... e em grande regozijo o mundo é esquecido." — Isso já está acontecendo, como mostra a perda de memória dos agentes Fuller, Barstow e Perlman.


Página 26

Sobre a diagramação dos painéis vista nesta página, é a primeira e única vez que vemos uma divisão estacada de 8 painéis. A alternância entre as personagens presentes e o recém-nascido Cthulhu (que doravante chamarei carinhosamente de "Lulinha") e o ritmo rápido da narrativa na página talvez seja para dar uma ideia da tensão das contrações e da velocidade da pulsação e da respiração que acompanham o parto.

Observação: Alan Moore é creditado como o autor da primeira exibição de um parto nos quadrinhos, no Livro Dois de Miracleman.

"... um p-polvo, um dragão e uma caricatura humana (...) mas era o contorno geral do conjunto que o tornava mais chocantemente aterrorizante..." — Isso foi citado diretamente de O Chamado de Cthulhu. O trecho completo: "Se digo que minha imaginação um tanto extravagante forjou imagens simultâneas de um polvo, um dragão e uma caricatura humana, não estarei sendo infiel ao espírito da coisa. Uma cabeça carnuda e tentaculada coroava um corpo grotesco, coberto de escamas, com asas rudimentares, mas era o contorno geral do conjunto que o tornava mais aterrorizante."

O olho do Lulinha, com sua pupila alongada, lembra o de um polvo.


Página 27

"É mais como... como uma jóia dobrada ou um r-repolho..." — Brears talvez esteja vendo atributos fractais ultradimensionais de Cthulhu que não são aparentes para o leitor quando ela o compara a uma jóia dobrada, ou seja, um sólido com mais de 3 dimensões. A comparação com um repolho é bem clichê também, já que recém-nascidos normalmente não tem feições muito definidas e estão bem enrugados. Em ocasiões anteriores Alan Moore expressou seu grande apreço pela forma como Lovecraft descreveu Cthulhu ou, como Moore observa, HPL te dá uma lista de coisas com as quais Cthulhu se parece, mas não realmente. Na verdade é indescritível. Agora, com "jóia dobrada" e "repolho" lembra coisas dos reinos animal, vegetal e mineral!

"Voshê deveria prover-lhe nutrientesh." — Ou seja, Carcosa está falando para Brears amamentar o Lulinha, o que acontece nos painéis seguintes. O ritmo destes painéis é bem mais lento do que o da página anterior, justamente para trazer o leitor de volta para o ritmo natural desta narrativa.


Página 28

Embora haja uma quantidade considerável de fluídos corporais no casaco, não há sinal óbvio de placenta. Também não houve corte de cordão umbilical, o que pressupõe que nem houve um.

A coitada da Barstow está falando algo, mas realmente não dá pra ler. De fato, nem adianta ampliar a imagem.


Página 29

"Ele tem muitosh mijares de quilômetrosh para cruzzar antesh que ele posha repoujar e shonhar." — Isso sugere que o Lulinha tem que ir para as coordenadas especificadas por Lovecraft no Oceano Pacífico como sendo a localização de R'lyeh.

No primeiro painel vemos Annesley se aproximando à esquerda, com seus dedos ensanguentados nas pontas. Pelo diálogo que se segue entre ele e Orne, concluímos que Annesley fez carpaccio de novo, desta vez com Aldo Sax.

"Nova Iorque já parece com uma fantasia impossível de Dunsany." — Uma referência a como em Idle Days on the Yann, de Dunsany, no ponto de vista do mundo onírico o mundo desperto pareceria com um delírio fantástico.

"Acho que é Yuggoth agora." — Yuggoth, o fictício planeta dos Mi-Go na obra de HPL. Vejam que isso se coaduna com a lógica do "Agora é Antes" que vimos em edições anteriores. Sempre foi Yuggoth porque tudo existe ao mesmo tempo.


Página 30

"eu acho que talvez sempre foi Yuggoth." — Como falei no tópico acima, tempo é uma abstração do ponto de vista humano e tudo coexiste em simultaneidade.

A imagem de Carcosa mergulhando o Lulinha nas águas do Merrimack (Ou já seria o Miskatonic? Fica a dúvida...) ecoa João Batista batizando Jesus.

As múltiplas extremidades em forma de asas/barbatanas emergindo da água são uma tentativa de tornar a já familiar "forma geral" de Cthulhu em algo desconcertante e perturbador.


Página 31

"Filosoficamente, não posso me opor a isso. Não imagino que Lovecraft também tivesse se oposto." — A ideia da história humana como um construto frágil e temporário em uma existência inerentemente caótica é de fato se manter bem arraigado à filosofia de HPL.

"Para onde os p-personagens de Lovecraft foram? Porque é assim que nós acabamos, como..." — novamente isso mistura o mundo real e o ficcional (e o metaficcional), uma vez que Brears enfim reconhece que ela é uma personagem em uma história, ao menos em algum nível.

"não pense que não estou ciente da ironia." — Não que Joshi já não tivesse sido feito de personagem em uma história lovecraftiana antes, mas ele estaria bem consciente de ser arrastado para uma.

"Mas neste caso, nossas principais opções pareceriam ser loucura ou suicídio." — Refere-se à tendência quase que dominante de personagens das histórias de HPL acabarem loucos ou se matando.

"Não, nisto eu não concordo com você." — Típico de Joshi, um eterno crítico.

"(...) se sua mente fosse alterada e você não estivesse ciente disso, isso seria inominável." — A mente de Brears foi alterada e ela parece estar ciente disso, o que torna o horror menor para ela, mas de certa forma maior para o leitor. Notem ainda o uso do adjetivo "inominável": um dos favoritos de HPL.

Página 32

"Aquilo... deve ser Shub-Niggurath. Acho que Lovecraft a descreveu em uma de suas cartas como um tipo de nuvem." — Essa carta foi endereçada a Willis Conover, em 01 de Setembro de 1936. Dizia mais ou menos: "(...) a consorte de Yog-Sothoth é a entidade infernal em forma de nuvem, Shub-Niggurath."


Página 33

"Bem... eu pessoalmente nunca me convenci do argumento de "O Símbolo Ancestral". Sempre me pareceu um dos embelezamentos de Derleth." —  Refere-se a como o Símbolo Ancestral (Elder Sign) aparece em muitas das histórias de August Derleth sobre os Mitos, particularmente em Trail of Cthulhu, como um talismã contra as criaturas dos Mitos. Esse símbolo é mencionado por HPL em A Sombra Sobre Innsmouth e Nas Montanhas da Loucura.

"Carl, eu... eu não acho que agora seja esse tipo de história." — Isso dá voz a uma das maiores críticas à obra de Derleth, onde humanos podem enfrentar (e o fazem) os Mitos de Cthulhu.

"Acho que deveríamos seguir com a maré de Innsmouth. Acho que deveríamos aprender a viver entre maravilhas e glórias para sempre." — Referência ao final de A Sombra Sobre Innsmouth:

"(...) E, naquela morada dos Abissais, viveremos em meio a glórias e prodígios para todo sempre."
"(...) Mas como uma posição existencial, você pode ter razão." — Isso mostra Joshi como o crítico literário consumado (escolhendo parar e debater sobre um ponto de vista literário ligeiramente arcano), em contraste com o otimismo de Brears e o desejo de lutar de Perlman.
Tomados juntos, Joshi, Brears e Perlman representam as três reações mais comuns das pessoas à obra de HPL:
A) Joshi - Os críticos literários que em grande parte aceitam as histórias e a filosofia, ainda que analisem sua vida e suas nuances de significados;
B) Brears - Aqueles que aceitam as histórias de HPL em um nível mais pessoal ou espiritual;
C) Perlman - Aqueles que gostariam de uma postura mais proativa, similar aos Mitos de Derleth.

"(...) até onde se sabe, este é um universo predeterminado, sem livre arbítrio." — Isso é tecnicamente verdade, uma vez que o universo deles é um roteiro de História em Quadrinhos.

"Tudo é destino. Tudo é providência. Só faça o que tem que fazer." — Isto está em um sentido de "providência divina", o porvir preordenado. Reforça a noção de que todos os movimentos e decisões que as personagens fizeram ao longo da série, em larga extensão, eram determinados... uma visão de tempo onde todas as ações das personagens já aconteceu, congeladas em páginas que apenas não foram lidas ainda. O leitor, então, é quem faz disto uma história ao ler as páginas na ordem.


Página 34


O layout da página é bem similar ao da primeira página de Providence 01, quando Black estava lendo a carta de Lily e em seguida rasgando-a. Só que aqui Perlman não está rasgando as páginas e sim as destacando e dispersando ao vento, talvez numa analogia à comparação que ele fez com esporos no começo desta edição. Uma tentativa desesperada de que aquilo possa espalhar a semente da destruição? Quem sabe...

As páginas exibidas são as 33 e 34 de Providence 08. Nelas e em outras passagens Robert Black anteviu este momento mas sem saber o que significava. Vamos relembrar?
- (...) um jovem, muito bem vestido, com um brilhante lenço amarelo erguido absurdamente para esconder sua boca (...): Johnny Carcosa, tal qual o vimos nesta edição.
- A ponte mudando intermitentemente é o que vemos.
- "Eles eram, em si mesmos, uma seleção memoravelmente esquisita que incluía o Sr. Orne e o Sr. Annesley que encontri brevemente em Salem (...) e o elemento mais incongruente sendo uma pequena criança negra vestida em um terno e tragando concupiscentemente um cigarro gigante.": A criança negra é Etienne Roulet.
- "(...) esse era um homem de olhar derrotado na meia idade que pode ter uma mão atrofiada ou algo assim, e ele não estava jogando confetes mas ao invés aparentava estar rasgando um livro em pedaços e então jogando as páginas rasgadas na corrente do Merrimack.": não é a descrição de Perlman na página 34 desta edição?
- Black fala ainda que viu Ambrose Bierce (que de fato estava lá, só que dentro de um cilindro) e "uma mulher pelada, calma e descontraída com sua nudez pública (...) e (...) aparentava estar nos últimos estágios de uma gravidez muito rotunda", ou seja, Merril Brears, que segundo o sonho de Black, "tinha uma cópia intacta do que parecia ser o Livro de Hali sob seu braço, de encontro ao seu inchado ventre."
Conclusão: Moore entregou o final de Providence ainda na edição 08 e ninguém percebeu! Hahahaha!

O que está em Aklo no encerramento da edição é “AGNADIUORP”. De trás pra frente, "prouidanga", bem próximo de uma rendição fonética de "Providence", considerando que em Latim o "V" e o "U" tem o mesmo som e que em Aklo "A" tem som de "E" e "G" faz a função do "C". Notem ainda que o Aklo no Alfarrábio de Hali estava escrito invertido, espelhado, então por isso o nome aqui está invertido. Para conferir mais sobre isso, Providence 06.

Página 35 - Contracapa
A citação de Lovecraft serve para expressar em grande parte o que Moore tentou demonstrar, e ao que levou a cabo a série como um todo.



É-é o f-fim, p-pessoal! Obrigado por terem vindo até o fim e até a próxima!

10 comentários:

Alan Morais disse...

Excelente trabalho, Skætos! Foi realmente uma tarefa hercúlea a sua e a de seus colaboradores.

Na icônica página 30, é impressão minha ou o recipiente com o cérebro de Ambrose Bierce foi intencionalmente desenhado meio achatado e o mi-go que o segura parece estar tirando uma selfie no espelho, para registar o importante momento? Se assim pensarmos, nós leitores estamos do outro lado do espelho, na realidade não-onírica... filosófico isso, hein?

Uma dúvida: não seria "Santo Anselmo" ao invés de "São Anselmo"? Não se abrevia "santo" quando o nome do santo começa com vogal.

Um grande abraço e parabéns!!!

Anônimo disse...

Excelente trabalho!!!

Creio que o "amuleto" no livro de banalidades de Black era a própria descrição da nossa realidade, o que, talvez, pudesse desfazer a transformação, uma vez que originalmente Black tinha copiado trechos do Alfarrábio no seu diário.
Assim, a obra de Black/HPL seria uma ante-sala entre as duas realidades.

Skætos disse...

E o Troféu Cata-Piolho vai para Alan Morais!
Você tem toda razão, Alan. A regra portuguesa diz que usa-se "São" antes de consoantes e "Santo" antes de vogais. No feminino é sempre "Santa". No entanto... há exceções: SANTO Tomás de Aquino, SANTO Tirso (em vez de São Tirso); SÃO Estêvão (em vez de SANTO Estevão).
Então o certo seria mesmo São Anselmo? A resposta é não. Eu errei lá na edição 05 ou 06 (não lembro mais agora) mas não quis mudar porque eu gostei particularmente da sonoridade de São Anselmo em vez de Santo Anselmo. Francamente, neste caso eu preferiria que a nossa regra fosse como a do Espanhol, idioma irmão do nosso, que é completamente diferente: eles usam "San" antes de qualquer nome (San Antonio, San Roque, San Pablo, San Andrés).
Em todo caso, valeu pela observação.
Abraço.

Unknown disse...

Caramba, que trabalheira!
Destrincharam tudinho com a maior maestria, gostei de ver. Vai deixar saudade.
Parabéns por esse osso duro que foi Providence!

Ed disse...

Acabei de ler a edição. Fantástico como o Alan Moore amarrou todas as pontas soltas que ainda perduravam no roteiro!

Achei genial a sacada da suástica na testa de Aldo Sax como um tipo de "amuleto de proteção", como devidamente explicado aqui.
Só acho que o personagem em si foi muito mal aproveitado pelo Moore depois de "O Pátio", mas beleza, ele cumpriu bem seu papel ali.

Ed disse...

Outra coisa que gostaria de citar: Shub-Niggurath é tida uma Deusa Exterior ligada com a criação e proliferação (caótica) da Vida.
Levando em consideração esta informação, somado ao fato da descrição em forma de nuvem, além de que ela é conhecida como "a cabra da floresta com mil crias", nada mais justo para Moore do que desenhá-la como aquele bizarríssimo símbolo de fertilidade (com membros fálicos que remetem a sacos escrotais e vaginas em meios às pernas de cabra entrelaçadas como raízes de uma árvore).

E, pelo amor de Deus, aquilo foi realmente tenebroso de se ver, cara!

Anônimo disse...

Poderiam fazer uma sessão de extras de Nameless ou indicar algum site que o tenha feito. O final daquela serie é muito hermetico.Morrison sendo Morrison.

Miguel Rude disse...

Dois itens a ressaltar :
um- aldo sax deu piti ao ver o sexo de brears o parto e tudo mais.
como ele é um "alter ego" e visualmente semelhante a HPL faz muito sentido
dois - brears olha para o leitor ao relatar o inominavel , falando conosco que não estamos cientes que estamos já sendo afetados sem saber

Skætos disse...

Paulo Eduardo,

A coisa mais tenebrosa pra mim, disparado, é quando o Johnny Carcosa aparece para o Robert Black na edição 10. O "efeito Leng" ali me deixou assombrado.

Skætos disse...

Miguel Rude,

Suas observações foram absolutamente pertinentes. Concordo com ambas. Parabéns por notar esses detalhes que me escaparam.